Se chegar um voo da China e nele vierem muitas pessoas com gripe, haverá alguma maneira imediata de perceber se alguém poderá ter o coronavírus? "Não, não há", diz Celso Cunha, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical. "Se as pessoas vierem com sintomas ligeiros, o que devem fazer é ir para casa, tomar o medicamento habitual para baixar a temperatura, repousar e beber líquidos. Antigamente os nossos avós diziam 'avinhe-se, abife-se e abafe-se'. Era o remédio para tratar a gripe".
O remédio, obviamente, não é para todos os casos. "Se os sintomas forem graves, isto é, se a febre for muito alta e ao fim de uns dias não passar, e se a pessoa se sentir realmente mal, tem que se dirigir a um hospital e procurar um profissional de saúde", prossegue o virologista. "E aí, perante os sintomas e a história dessa pessoa - um pequeno inquérito epidemiológico para saber se ela viajou, se esteve em contacto, etc - em conjunto com os sintomas dela, pode achar que será útil fazer um diagnóstico diferenciado para tentar ver se aquilo é gripe ou um coronavírus."
Cunha acrescenta que, embora não haja tratamento para nenhum desses vírus, podem ser tomadas aquilo a que chama medidas de suporte. Mais uma vez, descanso, hidratação, baixar a febre. Se for constatado que se trata de um coronavírus, poderá ser aconselhável um internamento com uma vigilância mais apertada.
Quanto à origem do vírus que agora se está a espalhar, sabe-se que teve origem em animais, embora ainda não haja uma certeza absoluta quanto ao percurso exato que foi seguido, a situação nada tem de surpreendente. "Os coronavírus existem em muitos animais", explica Cunha. "Os reservatórios principais, tradicionalmente, são os morcegos e os camelos. No caso do MERS, acredita-se que passou dos camelos para o homem. Em 2002, o SARS foi a partir de morcegos. No caso deste coronavírus, provavelmente o que aconteceu foi as cobras comerem morcegos e terem sido infetadas por eles. O coronavírus replicou-se na cobra."
Outros animais, outras doenças
Os morcegos têm alguma característica especial que predispõe a isto? "Não. Ou melhor, tem de haver mas nós não a conhecemos. Além disso, os coronavírus não infetam apenas camelos e morcegos. Os casos de transmissão para o homem é que estão documentados com esses animais. Mas também há coronavírus, por exemplo, em galinhas. Isso é muito importante na pecuária, pois o coronavírus mata-as e extermina um aviário inteiro."
E quando comemos as galinhas, não podemos ser infetados? "Não há casos descritos de passagem das galinhas para o homem", responde Cunha. "Elas são cozinhadas. Além disso, era preciso que o vírus nas galinhas estivesse adaptado a replicar-se no homem.
Lembra que também existem coronavírus noutros animais, por exemplo em porcos. Mas aí as doenças provocam não doenças respiratórias e sim do trato gastrointestinal. "Isso acontece em bovinos e em cães, por exemplo."
Há muitos tipos de vírus, nota. Os coronavírus recebem esse nome devido à característica coroa que apresentam quando vistos ao microscópio. Mas nem sempre o nome tem a ver a morfologia.
Cunha refere os vírus das hepatites (que produzem alterações hepáticas), os picornavírus (cuja designação tem a ver com ser um pequeno vírus), o vírus de Epstein-Barr, o vírus da Doença de Marburgo... A lista poderia continuar por bastante mais tempo.
“Parasitas celulares obrigatórios”
Qualquer que seja o vírus, há elementos comuns. "Os vírus são material genético - AND ou ARN - que está protegido por uma camada de proteínas que permitem que esse material genético seja transportado de uma célula para outra", resume Cunha. "Há vírus mais complexos que têm várias camadas de proteínas, eventualmente até umas gorduras. Mas os mais típicos não. Só o material genético e um invólucro proteico. Essas proteínas são codificadas pelo próprio vírus."
Uma característica que todos os vírus têm, refere, "é serem parasitas celulares obrigatórios. Eles só se multiplicam dentro de células vivas". E são seres vivos eles próprios? "Não. Isso é uma discussão filosófica que durante anos foi excitante para os cientistas. Mas os vírus não têm metabolismo próprio, não podem produzir a sua própria energia, como as nossas células fazem. Usam a maquinaria das células, que as ajuda a produzir as suas próprias partículas. Sem isso, não se replicam."
Quanto à origem dos vírus na natureza, só há especulações. As teorias são várias, e não cabe aqui referi-las. Independentemente da sua função original, hoje em dia os avanços da biotecnologia já permitem manipulá-los de modo a usá-los no tratamento de certas doenças.
"Modificando-os de forma a não serem patogénicos para o homem, eles podem transportar um gene humano saudável que vá substituir um gene que não esteja a funcionar bem", diz Cunha. A partir daqui, as possibilidades parecem infinitas. "O cancro pode ser uma das aplicações, por exemplo usando os vírus para detetarem as células cancerígenas e as matarem."