O estudo em que participou, realizado pelo Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro, revela que a qualidade de uma das maiores fontes de abastecimento de água da Área Metropolitana de Lisboa pode “estar seriamente comprometida” e Diana Vieira, investigadora dessa unidade de investigação, deixa um alerta: “municípios e governos devem fazer uma gestão pós-fogo adequada” para evitar que haja problemas relacionados com a qualidade da água.
Ao Expresso, Diana Vieira explica que, em colaboração com investigadores do Instituto Superior Técnico de Lisboa, foi aplicado um modelo calibrado na bacia hidrográfica do Rio Zêzere cujas águas alimentam a barragem de Castelo do Bode, concluindo-se que “existia uma entrada muito elevada de nutrientes e sedimentos associada a uma possível eutrofização da água”, isto é, “uma concentração excessiva de nutrientes que poderá levar, por exemplo, ao crescimento de algas, associado a alterações na cor da água e degradação da qualidade da mesma, deficiência de oxigénio e redução da biodiversidade”. Na origem de tudo isto, terão estado os incêndios de 2017, que “devastaram cerca de 30%” da referida bacia hidrográfica, que abastece grande parte da população de Lisboa e arredores”. “Depois de um incêndio, há uma grande acumulação de cinzas e o solo fica mais suscetível a erosão”, acrescenta a investigadora.
E quando se fala em concentração de sedimentos, fala-se, por exemplo, de nitrato, “cuja concentração ultrapassou os limites definidos por lei” a respeito da qualidade da água para consumo humano”, o que significa que “os fogos podem ter um impacto adicional na saúde humana”, lê-se no estudo, segundo o qual a concentração de fosfato na bacia hidrográfica estudada “também excede recorrentemente os limites definidos por lei”, o que “representa um grave risco para o ecossistema”. O estudo de que constam estas e outras conclusões foi publicado na revista científica “Land Degradation and Development”.
Não está em causa a qualidade da água consumida
Apesar de a nota de imprensa sobre o estudo ser taxativa quanto às consequências que os incêndios têm na qualidade da água de Lisboa, que estará, repita-se, “comprometida”, Diana Vieira responde às questões como se antecipando já algum alarmismo. Assim, refere que as consequências mais sérias têm que ver com o custo do tratamento da água, que será obviamente “mais elevado”, e interrupções no abastecimento, “como já aconteceu no passado, nomeadamente em 2018, no rio Ceira”, um afluente do Mondego.
“Não estamos a dizer que a albufeira está nestas condições” ou que a qualidade da água consumida está ou poderá estar em risco”, simplesmente “percebemos que há, de facto, uma entrada de nutrientes e sedimentos das áreas ardidas e efeitos de diluição que não sabemos exatamente quais são neste momento mas podem criar problemas”. Ao nível dos habitats aquáticos, no entanto, a ameaça é mais concreta, com efeitos sobre “peixes e comunidades de invertebrados”.
E o aviso aos municípios e governos vêm na sequência de tudo isto, sendo necessária uma “gestão pós-fogo adequada”, sobretudo em “anos de pluviosidade média, anos em que há, de facto, um risco”, defende Diana Vieira, aplicando tratamentos de mitigação dos efeitos dos incêndios em áreas da bacia hidrográfica que sejam “mais sensíveis à erosão do solo”.
Que tratamentos são estes? A investigadora esclarece, referindo que existem “técnicas testadas e aplicadas em todo o mundo”, Portugal incluído, “para tratar áreas de maior risco, como o ‘mulching’”, que consiste na distribuição, nos solos consumidos pelo fogo, de uma camada de restos florestais triturados de forma a diminuir a erosão. O importante, diz, “é que as áreas de maior risco sejam identificadas, tratadas e monitorizadas, para que, em caso de risco, se possa alertar as populações”.
EPAL diz não haver “alterações da qualidade da água na albufeira”
Num comentário ao estudo citado, a EPAL esclareceu ao Expresso que “dispõe de um programa de controlo de qualidade da água junto à captação de água bruta destinada à produção de água para consumo humano na albufeira de Castelo do Bode”, cujos resultados, “até à data, não evidenciaram alterações da qualidade da água na albufeira, decorrentes dos incêndios de 2017”, tendo sido nessa altura “reforçado o programa de monitorização”.
No entanto, e caso “venha a revelar-se necessário”, a EPAL diz dispor de “uma linha de tratamento da água na ETA [Estação de Tratamento de Águas] da Asseiceira preparada para garantir, em permanência, os elevados padrões de qualidade da água por si fornecida”.