Sociedade

“É como um filme de Hollywood. Não sou terrorista, fui incriminado”

Julgamento de Abdesselam Tazi começou sob apertadas medidas de segurança. É acusado de vários crimes de terrorismo mas nega tudo

Abdesselam Tazi, o marroquino suspeito de terrorismo
D.R.

A vida do marroquino Abdesselam Tazi, de 65 anos, transformou-se num “inferno” depois de março de 2015. Tudo porque foi incriminado por dois conterrâneos que queriam que guardasse haxixe no seu apartamento em Aveiro. Como não aceitou a proposta, os marroquinos vingaram-se e contaram ao SEF que Tazi recrutava jovens para o Daesh.

Esta foi a versão contada esta segunda-feira de manhã pelo ex-polícia de Fez no primeiro dia de julgamento no Campus da Justiça, em Lisboa.

“A história começou em março de 2015. É como um filme de Hollywood”, declarou ao coletivo de juizes liderado por Francisco Henriques.

Durante duas horas, Tazi repetiu que não era terrorista, não tinha recrutado jovens para o Daesh ou financiado aquela organização terrorista, como está acusado pelo Ministério Público.

Garantiu que está preso apenas por causa dos depoimentos dos dois marroquinos, um deles irmão do Hicham el Hanafi, o seu ex-colega de apartamento em Aveiro que está detido em França por suspeitas de planear um atentado terrorista naquele território.

Tazi e Hanafi viajaram com passaportes falsos para Portugal em 2013 num voo proveniente de Bissau e ficaram detidos. Tazi alegou ser perseguido politicamente naquele país e os dois acabaram por ter luz verde das autoridades para viverem em Portugal.

O coletivo de juízes fez várias perguntas sobre as inúmeras viagem realizadas por Tazi não só na Europa como na América do Sul, entre 2013 e 2015. O marroquino garantiu, quase sempre em francês embora tenha também usado frases em português, que estas serviam apenas para angariar dinheiro para abrir uma loja em Portugal. Confessou os negócios ilícitos de cartões de crédito na Alemanha, crime que acabou por levá-lo à prisão naquele país. Relatou várias ideias de negócio que passavam pela remessa de dinheiro e bens por via de um motorista de autocarro entre aquele país e Marrocos. E contou que recebeu transferências monetárias em Portugal de um marroquino que conheceu na Noruega.

Dois casamentos no estrangeiro

As viagens pelo mundo de Abdesselam Tazi deram origem a dois casamentos: com uma sueca e com uma canadiana. “Se fosse um radical salafista nunca casaria com duas mulheres católicas”, argumentou.

Assegurou que nunca discutia religião com Hanafi nem com outros marroquinos com quem se cruzou neste processo. Sobre os dois homens que o Ministério Público suspeita que recrutou para o Daesh diz que só falavam de futebol e de cinema.

“Jogámos à bola no centro de refugiados da Bobadela e depois adeus. Hoje não sei onde estão ou o que fazem.” E acrescentou: “Sou um simples muçulmano, não sou um pregador.”

Também refutou as suspeitas de que ajudou a levar a família de Hanafi para o coração do Daesh. “Eles viajaram para a Turquia porque queriam entrar na Europa através da fronteira grega, que estava aberta em 2015.” Não sabe do paradeiro de parte da família, que segundo as autoridades acabou por se juntar ao califado. Foi este o único momento em que o marroquino se exaltou, embora moderadamente. “Não sei deles, não são a minha família.”

Sobre a sua vida em Marrocos, revelou que era porta-voz de um partido político e que acabou por ser perseguido pela polícia por se mostrar contra a monarquia. “Sou um republicano. Sou muçulmano sunita. Uma pessoa contra a violência.”

Tazi, que se encontra em prisão preventiva na cadeia de alta segurança em Monsanto há dois anos, diz ter vários amigos em Portugal e gostar do povo. Com exceção de alguns responsáveis como o juiz Carlos Alexandre, que o interrogou quando chegou a Portugal em 2017, vindo da Alemanha: “O juiz está mal informado sobre o Islão: na sua cabeça Islão é automaticamente terrorismo.”

O julgamento decorre esta segunda-feira sob apertadas medidas de segurança.