Sejam quais forem as soluções, não passam por transformar a Europa numa imensa colónia penal nem os países em pulseiras eletrónicas. A solução não é única. E, como em quase tudo nas prisões, também não é evidente. A teia prisional envolve muitas complexidades. As prisões nunca foram (provavelmente, nunca serão) uma escola de virtudes, tendo de natureza o crime e a reinserção social de paisagem.
Portugal integra uma já extensa lista de países que muito contribuem para as estatísticas de sobrelotação das prisões na Europa, prestes a transbordar de reclusos. A Polónia é de longe o país europeu com maior população reclusa, que não encontra paralelo sequer nos gigantes populacionais da UE. O número de reclusos nas cadeias polacas é especialmente alto (71.528 reclusos). França e Alemanha, por exemplo, têm uma população de 68.432 e 64.291 pessoas encarceradas, respetivamente. Espanha tem uma população prisional de 59.589 reclusos, seguida de perto pela Itália, com 55.978 prisioneiros. A Roménia apresenta igualmente valores altos, com 27.455 reclusos nas suas cadeias, seguida a grande distância pela Hungria (17.658).
Portugal vem logo a seguir, com uma população cujos dados mais recentes (final de 2017) apontam para uma população reclusa de 13.440 pessoas (12.584 homens e 856 mulheres). Malta tem a população prisional mais reduzida da Europa, com 553 reclusos. Portugal tem uma média de 137,5 reclusos por cada 100 mil habitantes, bastante acima da média europeia, que é de 117,1 reclusos por cada 100 mil habitantes. A percentagem de reclusos estrangeiros nas cadeias nacionais é de 17,5 por cento. O tempo médio de encarceramento na UE é de 8,5 meses. Em Portugal: 30,7 meses. No entanto, 73,6 por cento dos reclusos nas cadeias nacionais cumprem em média três anos de encarceramento. Em Portugal, o tráfico de droga ainda é o crime mais praticado (19,4%), seguindo-se os roubos (13%) e os homicídios (8,8%). Durante largos anos, Portugal foi nesse aspeto um espelho do que acontecia em geral na Europa, onde também lideravam os crimes relacionados com o tráfico de droga. Houve, porém, uma inversão, estando agora os roubos no topo da lista criminal da Europa (18,9%).
A imensa maioria da população reclusa nacional é masculina, tendo uma massa feminina de seis por cento. Os tipos de crimes que conduzem homens e mulheres para a cadeia são também distintos. 25 por cento dos homens estão condenados por “crimes contra as pessoas”, pelos quais se encontram encarceradas 15 por cento das mulheres. Nos chamados “crimes contra valores e interesses da vida em sociedade”, como define a Direção-Geral dos Serviços Prisionais, existe uma certa paridade criminal: nove por cento dos homens estão presos por este tipo de crimes, as mulheres são oito por cento. Nos “crimes contra o património”, as diferenças também não são muito acentuadas: 27 por cento dos reclusos foram condenados por estes crimes, contra 24 por cento das reclusas. É nos “crimes relativos a estupefacientes” que as diferenças se acentuam no feminino: 40 por cento das mulheres cumprem pena por crimes relacionados com o tráfico de droga, contra 15 por cento dos homens. Quanto aos “crimes contra o Estado”, cinco por cento são no género masculino, dois por cento no feminino. A idade média da população reclusa em Portugal é de 37 anos. A estrutura etária nas prisões portuguesas distribui-se assim: existem 0,3 por cento de reclusos entre os 16 e os 18 anos; 0,9 por cento entre os 19 e os 20 anos; seis por centro entre os 21 e os 24 anos; 14,8 por cento entre os 25 e os 29 anos; 32,6 por cento entre os 30 e os 39 anos; 25,4 por cento entre os 40 e 49 anos; 13,6 por cento entre os 50 e os 59 anos, sendo que com mais de 60 anos há seis por cento da população prisional. A percentagem de reclusos com o ensino superior (1,7%) é ainda inferior aos que não sabem ler nem escrever (3,2%). 92,8 por cento frequentaram o ensino básico, sendo que apenas 8,1 por cento frequentaram o ensino secundário.
Em Portugal, em cada 10 mil reclusos, uma média de 15,7 cometem suicídio. O número de mortes por igual número de reclusos é de 52,1. Cada recluso custa atualmente ao Estado 41,2 euros por dia.
Para António Pedro Dores, docente do Departamento de Sociologia e do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE e membro do Observatório Europeu das Prisões, o cenário das prisões portuguesas continua no lado obscuro dos Direitos Humanos. “O direito à proteção legal de quem está dentro das prisões — visita, preso, guarda, funcionário, advogado —, é, na prática e em teoria, extremamente limitado. É diferente do Direito aplicado aos cidadãos comuns, mesmo os que, profissionalmente ou como reclusos ou visitas, passam pelas prisões. As prisões vivem em estado de exceção permanente, com cambiantes de arbitrariedade conforme quem esteja, em cada momento, em posição de poder (frequentemente não são as autoridades; estas apenas autorizam tacitamente que assim seja e continue a ser). Veja-se: é preciso autorização para comemorar os anos de alguém. Claro que cada um comemora como pode as datas que bem entende. Por razões desconhecidas, alguém filma as festividades e lança-as nas redes sociais. É o suficiente para se perceber que as autoridades prisionais não mandam nas prisões. Mas, em vez de o reconhecerem, organizam rusgas onde encontram aquilo que existe em todas as prisões, incluindo as de maior segurança: drogas, telemóveis, facas, apreendidas hoje e amanhã, as mesmas ou outras, lá ocupam os seus lugares habituais. Se a lei não entra nas prisões, que dizer das recomendações, como são os direitos humanos?”. Pergunta retórica.
Que medidas são urgentes? “Acabar com os castigos extrajudiciais a que estão sujeitos ilegal mas impunemente os prisioneiros. A supervisão (inspeções dos serviços prisionais e do Ministério, da Procuradoria e da Provedoria de Justiça, a Ordem dos Advogados) devia ser objetiva na denúncia não apenas de indícios de tortura, mas também das condições desumanas em que se vive nas prisões e que banalizam a tortura; condições que o Comité de Prevenção da Tortura insistentemente — mas apenas de quando em vez e chamando a atenção dos casos mais gritantes que lhe chegam ao conhecimento — refere de modo diplomático. A entidade nacional de prevenção da tortura, na alçada da Provedoria de Justiça, como os relatórios do Estado a informar as autoridades internacionais (ONU e Conselho da Europa) não deveriam ser um modo de fingir e esconder como se trabalha nessa área. O cumprimento dos convénios a que o Estado se comprometeu devia ser honrado. O Governo, através do Ministério da Justiça, com apoio da Assembleia da República, eventualmente por iniciativa da Provedoria e/ou da Procuradoria da Justiça, devia promover um debate continuado, público e alargado a todos os interessados por prisões sobre o que fazer para acabar com a impotência politicamente organizada das autoridades penitenciárias sobre o que se passa nas prisões”, acrescenta.
Ainda segundo António Dores, os problemas mais agudos no sistema prisional têm na base uma “apatia dos juristas na defesa do Direito, extasiados com os negócios e as empresas de advocacia; o espírito moralista que vinga nos tribunais criminais; a ignorância dos deputados sobre a vida; o compromisso dos partidos políticos com o exercício social da vingança contra os mais debilitados entre os residentes em Portugal; a inoperância das universidades, incluindo as faculdades de Direito, na perspetiva de futuros mais humanos; a prevalência da caridade face ao Direito na mentalidade dominante”. E, como as estatísticas comprovam, “os exemplos estrangeiros que tornam o caso português num entre muitos outros”. Dito.