Sociedade

Na volta do correio

As cartas e os postais são meras memórias de um mundo que se perdeu. As caixas, de todos os tamanhos e feitios, são uma nova realidade do serviço postal. E mais ainda quando chega o Natal

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Um dos aspetos que hoje pode dividir as pessoas é a forma como respondem à pergunta: “Para que servem os correios?” Porque se a memória não for curta, uma boa parte responderá que ainda assistiu à utilização destes para, predominantemente, enviar cartas e postais. Existe um troço considerável da Humanidade que, nascida antes da era da internet, passou pela experiência de mandar uma carta e esperar 15 dias pela resposta, assim como pelo já obsoleto costume de despachar postais com a fotografia dos destinos de viagem.

Há, porém, do outro lado, quem jamais tenha preenchido o remetente num envelope nem feito uma fila numa estação de correios. Para esta camada mais jovem — ou nem tanto, tratando-se da faixa etária abaixo dos 40 anos — a função destas entidades limita-se a ser a de expedir e receber os bens encomendados online. No máximo, uma empresa de transporte de encomendas ou de correio postal ou expresso servirá para o envio de volumes em datas específicas, como os aniversários — ou o Natal.

É justamente na época festiva que se regista o maior fluxo de encomendas do ano. Nesta fase, que acontece entre meados de novembro (com ênfase na Black Friday) e o final do ano civil, os CTT verificam um aumento do tráfego de encomendas de 40 a 60% relativamente a outros períodos do ano. “Portugal é um país mais importador do que exportador” no que se refere a estes envios, diz a empresa ao Expresso, revelando as principais origens dos pacotes postais: China, Espanha, Reino Unido, França, Estados Unidos e Alemanha. Quanto aos destinos, somam-se a Suíça, o Brasil e os PALOP. Já no caso da DHL, que ao longo do ano expede para fora do país cerca de 80 toneladas por dia — 22 mil toneladas por ano —, a altura das festas representa um incremento de 25% no nível de encomendas enviadas. Ambas as empresas se organizam com antecedência, de forma a poderem fazer frente à exigência de uma quadra cada vez mais virada para o consumo.

Não é nova a noção de que tal ascensão se deve a um crescimento exponencial das compras via internet. Em 2017, 34% dos portugueses entre os 16 e os 74 anos utilizavam o comércio eletrónico — mais 3% do que em 2016 e bastante abaixo dos 55% correspondentes à média europeia. Um olhar mais aproximado mostra que, em Portugal, os compradores online têm com frequência menos de 44 anos, possuem formação secundária ou superior ou são estudantes. As encomendas feitas online recaem sobretudo sobre produtos físicos (79%) oriundos de fornecedores estrangeiros — que chegam ao consumidor pelo correio.

Perante um tráfego cada vez mais difícil de gerir, o aumento sazonal de encomendas coincide com o da insatisfação dos consumidores. Entre outubro até meados de dezembro de 2017, as empresas de transporte de encomendas e correio expresso e postal receberam mais 212% reclamações do que no mesmo período em 2016. Os dados são do Portal da Queixa, plataforma criada há nove anos que já recebeu mais de 86 mil reclamações, a um ritmo de 4400 por mês. Este ano, entre inícios de novembro e meados de dezembro, os CTT já receberam 700 reclamações — mais 23% do que em igual período do ano anterior —, sendo que a Seur é a empresa do sector que mais aumentou comparativamente a 2017 — com uns 42% que representam a variação de 84 queixas para 119. Por sua vez, a Chronopost teve 90 reclamações e a DHL 28.

Também o portal da Deco Proteste pode servir de amostra para uma leitura do movimento nesta fase do ano. Entre outubro e 11 de dezembro de 2018, registou 2718 reclamações contra os CTT, sendo 943 referentes apenas a dezembro. A rápida aquisição nem sempre significa uma receção célere, e o que está ao alcance de um clique pode demorar mais do que as antigas cartas. Basta dizer que costuma ser em janeiro que as reclamações atingem o cúmulo — são as prendas de Natal que, uma vez compradas, não chegaram ao destino em tempo útil.