Dentro de 30 anos, “a vida dos portugueses será seguramente diferente da que é hoje”, assegura o ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, alertando para que a próxima década (2020-2030) “será a mais exigente” em termos de mudança de comportamentos e de investimentos.
Se as medidas mais ambiciosas incluídas no “Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050” — apresentado esta terça-feira numa conferência na Fundação Gulbenkian — forem aprovadas, em 2050 as deslocações casa-trabalho passarão a ser feitas em veículos 100% elétricos ou movidos a hidrogénio, haverá mais uso de transportes coletivos ou partilhados; os edifícios onde se vive e onde se trabalha serão iluminados e as suas águas aquecidas por fontes renováveis e a dieta alimentar terá de conter substancialmente menos carne vermelha do que a atual.
Tudo isto para bem da nossa saúde e do ambiente e para que Portugal cumpra os compromissos assinados no Acordo de Paris para impedir que as temperaturas médias globais não aqueçam mais que 1,5ºC até final do Século XXI, por comparação às registadas na era pré-industrial.
Para alcançar a ambicionada neutralidade carbónica em 2050, o documento (que entrou esta terça-feira em consulta pública) propõe que se reduzam as emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases de efeito de estufa para um sétimo do que são atualmente. Ou seja, em vez de emitir 70 milhões de toneladas, Portugal passará a enviar para a atmosfera apenas 10 milhões de toneladas e uma quantidade equivalente terá de ser absorvida pelos solos e pelas florestas na condição de sumidouros de CO2. Isto representa uma redução das emissões de 65 a 68% no espaço de 12 anos, por comparação com as emissões registadas em 2005 e de 93 a 100% até 2050.
Para esta profunda descarbonização — que passa por todos os sectores da sociedade, da produção de energia à agricultura, passando pelos transportes, indústria, edifícios ou o tratamento dos resíduos — serão necessários grandes investimentos. Matos Fernandes aponta para investimentos futuros de “mais de dois mil milhões de euros por ano”, a juntar aos 30 mil milhões já investidos, e que, apesar de ser um número ambicioso, o ministro considera “exequível”, a contar com maioritariamente com verbas de privados.
100% de eletricidade de fontes renováveis em 2050
As principais transformações que aí vêm recairão nos sectores eletroprodutor e da mobilidade, adianta Matos Fernandes. “Já em 2030, 80% da energia elétrica será produzida por fontes renováveis”, garante, e em 2050 será a totalidade. E no campo da mobilidade, não duvida que dentro de 12 anos comece a “deixar de ser custo-eficaz comprar veículos a gasóleo ou a gasolina, uma vez que os veículos elétricos e os custos da sua circulação e manutenção serão mais baratos, o que será um maior incentivo do que a proibição de circulação de veículos com motor de combustão”. De qualquer forma, o ministro também equaciona passar para as autarquias a possibilidade de proibirem a circulação de veículos movidos a combustíveis fósseis.
Para aumentar a mobilidade elétrica e desincentivar o uso de carros individuais movidos a combustíveis fósseis, estão previstos investimentos de 7500 milhões de euros na mobilidade elétrica coletiva, que se juntam aos mil milhões de euros que estão a ser investidos na expansão dos metropolitanos de Lisboa e do Porto e na aquisição de autocarros com “melhor performance ambiental”
Mas para alimentar uma produção de eletricidade com fontes 100% renováveis, Portugal terá que aumentar substancialmente as infraestruturas de produção eólica e solar. “Temos que duplicar a nossa capacidade de produção de sete para 13 gigawatts, sobretudo a partir de energia solar e da recapacitação dos parques eólicos”, indica Matos Fernandes, lembrando que, com as alterações climáticas, haverá menor disponibilidade de água para produção hidroelétrica.
Resistências na agricultura
Os setores onde o Governo vai enfrentar maiores resistências são o da produção industrial e da agricultura. Em relação a esta última, a meta do Roteiro para a Neutralidade Carbónica é cortar para metade o número de cabeças de gado bovino até 2050, tendo em conta a brutal pegada carbónica que representam com a emissão de metano. Matos Fernandes assume que este é o sector que menos controla já que “depende muito da Política Agrícola Comum (PAC)”, mas acredita que a União Europeia “vai ser coerente com os compromissos com a neutralidade carbónica”, que apresentou recentemente e que “definirá uma PAC que garanta mais apoios a medidas agroambientais mais eficazes”.
Os projetados cortes nas cabeças de gado já fizeram reagir a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), que esta terça-feira manifestou “surpresa e oposição” às intenções anunciadas no Roteiro para a Neutralidade Carbónica. Não aceitam uma redução da produção nacional de bovinos entre 25% e 50% e dizem que se trata de “uma intenção isolada do ministério do ambiente no conjunto do governo” e que uma decisão destas teria “impacto muito significativo na produção de derivados de leite” e iria “também aumentar as importações nacionais” e “comprometer o nosso crescimento económico”.
Durante o debate de apresentação do Roteiro, esta manhã na Fundação Calouste Gulbenkian, o secretário de Estado das Florestas Miguel Freitas veio em socorro do lóbi dos agricultores, sublinhando que “a componente animal é absolutamente essencial” e que o assunto deve ser “debatido em profundidade”.
É preciso uma Lei do Clima
Por seu lado, a associação ambientalista Zero aplaude “as metas ambiciosas apresentadas neste roteiro”. A vice-presidente Carla Graça diz que a Zero defende que “é essencial que seja criada uma Lei do Clima, que inscreva estas metas nos objetivos das próxima décadas, sem se compadecer com diferentes governos, tempos eleitorais ou tentações conjunturais”. E sublinha, “não há possibilidade de regressão quando as previsões das alterações climáticas se revelam cada vez mais dramáticas”.