Sociedade

Isabel Juliana Paim, o bichinho de conta

A mulher que enfrentou o marquês de Pombal quando tinha apenas 14 anos é a protagonista de uma história de coragem, persistência e amor. Personagens famosas no seu tempo e praticamente esquecidas, umas menos outras mais, é do que trata esta rubrica de pequenas biografias

Casou-se a primeira vez aos 14 anos, obrigada pelo conde de Oeiras, ainda à espera de ser marquês mas já um homem poderoso a quem dificilmente se dizia não. Ela, porém, irá fazer-lhe frente. E nunca deixará o marido tocar-lhe. Será, por isso, internada em conventos durante seis anos, nunca perdendo a esperança de se juntar a quem já dera o coração.

Isabel Juliana nasceu em Lisboa, no mês de dezembro de 1753, numa das casas mais ricas de Portugal. A mãe, Teresa Vital da Câmara, não resistiu ao parto, e como o pai, o diplomata Vicente Roque José de Sousa Coutinho de Meneses Monteiro Paim, vivia fora do país, foi educada pela avó, que não hesitou em obedecer ao ministro do rei José I e disso convencer o filho.

Isabel Juliana de Sousa Coutinho Paim levou o dia do casamento a chorar. Estava pronta a dizer não, contudo a insistência da família, as ameaças em nome de Deus fizeram-na subir ao altar, ao lado de José Francisco de Carvalho Daun, que completara 14 anos de idade dez dias antes. No oratório da casa da avó, os convidados ouviram o que queriam ouvir, mas ela afirmará que nunca pronunciou o “sim” nesse dia 11 de abril de 1768, perante o padre Paulo de Carvalho, irmão do conde.

A sua paixão era outra, um rapaz mais velho dois anos, bonito, filho da princesa Mariana Leopoldina de Holstein Beck e de um dito inimigo do conde de Oeiras, o capitão das guardas alemãs Manuel de Sousa, morgado do Calhariz, acusado de conspiração contra o rei, juntamente com os Távoras e o duque de Aveiro.

Com Alexandre, tivera as primeiras brincadeiras, aprendera ao mesmo tempo as primeiras lições com o mestre Billingham, iniciara a adolescência. E com Alexandre haveria de se casar, se ele por ela esperasse... Quanto mais a família tentava convencê-la a salvar as aparências, mais Isabel evidenciava publicamente a repugnância que lhe provocava o filho do entretanto feito marquês de Pombal.

Sebastião José de Carvalho e Melo, irado, alcunhá-la-á de “bichinho de conta” e não custa a imaginar a menina, magra, de pequena estatura, a enrolar-se em si própria no leito… Pela corte se bichanava que a neta de Maria Antónia de São Boaventura e Menezes Paim cosia os lençóis e inventava outras barreiras para que nada se passasse no leito conjugal. Durante o processo de “divórcio”, Isabel desmentirá alguns boatos, admitindo ter separado a cama duas ou três vezes, já que, de resto, dormia cada um em sua ponta.

Toda a Lisboa ficou a saber do escândalo, que obrigou o “primeiro-ministro” do reino a requerer a anulação do casamento ao Vaticano, em 1771. O filho nunca conseguiu, sequer, tocar na esposa. Esta, coerente, para alguns simplesmente casmurra, tratava-o com rudeza e insolência, de tal forma que o marido inventava pretextos para não viajar na mesma carruagem.

O casamento foi declarado nulo pelo Papa Clemente XIV a 17 de junho de 1772 e a jovem transferida para o Calvário de Évora, mais rigoroso do que o mosteiro de Santa Joana, onde se encontrava desde 15 de agosto de 1771 e onde era abadessa a irmã do ex-sogro. Ficará presa até à morte do rei, em 1777. O calvário do marido fora ser mandado para a Universidade de Coimbra...

Talvez com a conivência das freiras, seguiu alimentando o amor de Alexandre, cavaleiro da Ordem de Malta e herdeiro da fortuna do tio-avô marquês de Isnardi, um dos mais ricos proprietários de Piemonte. E com ele se casou no dia 27 de junho de 1779, abençoados pela rainha Maria I, que será madrinha de seu filho e futuro primeiro duque de Palmela, nascido dois anos depois, em Turim.

Nos primeiros tempos de casamento, viverá no Castelo de Sanfré, onde irão nascendo as filhas Mariana, Teresa e Catarina. Com Alexandre, homem alegre, interessado por tudo o que se passava no mundo, viajará pela Europa nas suas missões diplomáticas. Mas a doença (hoje, por saber qual) torná-la-á taciturna e melancólica.

À beira dos 40, sentiu o fim a chegar. Ainda rumou à Suíça, para ser operada, porém, no dia 10 de abril de 1793, o mal acabou-lhe com a vida antes de qualquer ato médico e muito antes de ver o primogénito ocupar o lugar de “primeiro-ministro”. Alexandre viverá mais dez anos e voltará a casar-se, com uma sobrinha.

Seu filho Pedro lamentará: “condenada quase toda a vida a sofrer, porque a doença nem lhe deu lugar a gozar os dias mais prósperos que o seu casamento com meu pai lhe prometia, terminou a existência numa terra estranha, privada da consolação de morrer nos braços do marido, necessariamente angustiada com o pensamento do abandono em que deixava quatro filhos pequenos, longe de seu pai e do seu país.”