“Lisboa inteira” acompanhou-o até ao Cemitério dos Prazeres, impressionada pelo "cruel desenlace do desespero" de um homem de 31 anos, que se estava a fazer um bom advogado e jornalista sem perder o espírito rebelde que entregara à causa republicana. O boémio Alberto Costa, o Pad Zé, autor do célebre "O livro do doutor Assis", um documento histórico sobre a vida estudantil de Coimbra no final do século XIX, partira.
Pouco passava da meia-noite de 3 de novembro de 1908, quando se ouviu um estampido na redação do jornal “O Mundo”, na rua das Gáveas, no primeiro andar do edifício lisboeta agora da Associação 25 de Abril. Vinha do gabinete onde de hábito Pad Zé escrevia. O administrativo Pereira foi o primeiro a chegar, ainda lhe amparou o tombo. O afamado cronista parlamentar agonizava... sentara-se à secretária e dera um tiro na têmpora.
Antes escrevera uma carta ao diretor França Borges, dizendo ter chegado a sua hora. Não se explicava, “por não valer a pena”, mas prometia notícias do Além: “D'outra vida não faço ideia nenhuma. Se eu puder, escrevo e escreverei com tanta solicitude artigos, críticas, crónicas, notas, que v. há de espantar-se da minha regeneração e dizer aos amigos: agora é que eu queria apanhá-lo cá.” Mais tarde, a causa da morte será atribuída a pressões da maçonaria para que liquidasse “alto personagem”, a desamores e ainda à sua implicação no regicídio de fevereiro, como um dos que votaram a morte de Carlos I.
Alberto António da Silva Costa nasceu no dia 15 de abril de 1877, na Aldeia de Joanes, perto do Fundão, filho de Agostinho da Costa Nogueira e de Maria Rosa da Costa. Aos 13 anos ingressou no Colégio de S. Fiel, da Companhia de Jesus, e por pouco não se fez padre. Aos 16 mudou-se para o Liceu da Guarda; dois anos depois entrou na Universidade de Coimbra, de onde o expulsaram por pôr em causa o lente de filosofia Teixeira Bastos. Para não ser preso, foi para S. Tomé durante dois anos, trabalhando como gerente de uma roça, criando simpatias republicanas.
Voltou a Coimbra para concluir Direito, fazer jornais e cimentar a popularidade com a alcunha, dirá o próprio: “imposta em senatus-consulto da república sob a primitiva forma de Padre Zé em homenagem às minhas antigas afinidades místicas, à minha face rapada de clérigo e aos meus óculos faiscantes de excogitador de textos bíblicos. Por corruptela se desprendeu o re do Padre.” Enquanto estudante, para pagar a estroinice, ia “depositando” no seu amigo Favas “hoje... uma cómoda, amanhã uma toilette, uma poltrona mais dispensável…” Chegou ao ponto de viver num quarto vazio, com os móveis desenhados nas paredes.
“A todos conquistava pela sua graça originalíssima e inalterável bom humor”, embora fosse “muito feio, muito míope, com uma enorme e bonita dentuça, avançada como a de um canibal, o bigodinho ralo a bordar-lhe a boca, francamente rasgada”, dirá a atriz e amiga das tertúlias lisboetas Adelina Abranches.
No dia fatídico, aparecera na redação “sorumbático e macambúzio”, porém, na noite anterior divertira-se bastante em casa do ator Inácio Peixoto. Passara a tarde a dormir no gabinete do diretor, acordando às 19h45 para ir jantar com Santo Tavares e Urbano Rodrigues. No restaurante Paris, pouco falou, comeu a custo e quando um dos camaradas insistiu nas razões, disse: “Que queres? Adivinho hoje coisa. Tenho um pressentimento de que vou ser vítima de um desastre, que fico debaixo de um carro elétrico...”
De volta à redação, tirou da gaveta a pistola e pediu a um colega que verificasse se funcionava, já que ia devolvê-la. Depois carregou-a... Desta feita, a arma não se encravou, como um ano antes, a 5 de novembro, no duelo com Álvaro Pinheiro Chagas, o qual, enraivecido com os seus artigos, o ofendera no “Diário Ilustrado”: “o autêntico Pad-Zé, caloteiro e trapalhão, espião e difamador, aí fica à mostra, sujo e porco. O desgraçado tem alguma cousa de doido... É certo. Mas tem muitíssimo mais de pulha.” Dois dias depois, Adriano Mendes de Vasconcelos e Alexandre Braga, seus colegas de escritório, desafiaram o diretor do diário conservador. A sua pistola avariou-se por três vezes, devido à chuva, segundo o perito. O duelo foi interrompido e os "combatentes não se reconciliaram".
Em junho de 1907, também estivera quase à morte. Nas manifestações contra o ditador João Franco, chefe do Governo de Carlos I, numa das arremetidas da polícia, levou um golpe de sabre na cabeça, ficando em estado grave. O guarda será julgado depois da implantação da República que o advogado perderá, mas para a qual lutou usando as armas julgadas necessárias e que lhe valeram a dada altura uma fuga para Espanha.
Conta o escritor Raul Brandão que Pad Zé “trazia sempre nas algibeiras invólucros de bombas e mostrava-os aos amigos, no Suíço. Trazia-as às vezes pela rua numa malinha de mão, e, quando ia ao urinol, pedia ao Anibal Soares, de quem era amigo íntimo, para lha segurar: Mas tem cuidado, que são ovos!... – observava sempre”.
Alberto Costa é desde 1925 nome de jardim, no adro da Igreja de Santo Estevão, no bairro lisboeta de Alfama.