O acórdão do Tribunal Constitucional sobre as barrigas de aluguer foi votado esta terça-feira. Os juízes comunicaram à Assembleia da República que decidiram chumbar algumas normas, soube o Expresso junto de fontes parlamentar. A decisão deve ser libertada até quinta-feira. A lei tem agora de voltar ao Parlamento para ser corrigida.
Num comunicado publicado no site do Tribunal Constitucional depois de a notícia ter sido avançada pelo Expresso, lê-se que a lei da gestação de substituição, vulgarmente conhecida como "barrigas de aluguer", "só por si não viola a dignidade da gestante nem da criança nascida em consequência de tal procedimento, nem tão-pouco o dever do Estado de proteção da infância". No entanto, os juízes decidiram que se "encontravam lesados princípios e direitos fundamentais consagrados na Constituição."
Tal como o Expresso adiantou este sábado,o problema não é com a lei em si, mas com a forma como foi feita. Uma das normas vetadas foi o facto de não haver uma possibilidade de arrependimento para a gestante. "A limitação da possibilidade de revogação do consentimento prestado pela gestante de substituição a partir do início dos processos terapêuticos de PMA (...) impedindo o exercício pleno do seu direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade indispensável à legitimação constitucional da respetiva intervenção na gestação de substituição até ao cumprimento da última obrigação essencial do contrato de gestação de substituição, isto é, até ao momento da entrega da criança aos beneficiários (violação do direito ao desenvolvimento da personalidade, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, e do direito de constituir família)."
Sobre o anonimato dos dadores, os juízes dizem que "merece censura constitucional, devido a impor uma restrição desnecessária aos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nascidas em consequência de processos de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões, incluindo nas situações de gestação de substituição". O Tribunal reverte assim uma decisão de 2009, quando considerou que os dadores poderiam permanecer anónimos. Porém, considera que o dador "não pode ser tido como progenitor da criança nascida, não se mostrando violados os parâmetros constitucionais invocados (princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da igualdade e direito à identidade pessoa)".
Ainda segundo o mesmo comunicado, o chumbo não tem efeitos retroativos. "O Tribunal decidiu, por unanimidade, com fundamento em imperativos de segurança jurídica e em cumprimento do dever do Estado de proteção da infância, limitar os efeitos da sua decisão, de modo a salvaguardar as situações em que já tenham sido iniciados os processos terapêuticos de PMA (...) em execução de contratos de gestação de substituição já autorizados (...). Relativamente a tais situações, as aludidas declarações de inconstitucionalidade, com ressalva daquela que se refere ao regime da nulidade previsto no n.º 12 do artigo 8.º, não terão qualquer efeito.
Os juízes criticam também consideraram que a lei não determinava os "limites a estabelecer à autonomia das partes do contrato de gestação de substituição, assim como aos limites às restrições admissíveis dos comportamentos da gestante a estipular no mesmo contrato". Defende o TC que "a concretização de tais limites é indispensável tanto para o estabelecimento de regras de conduta para os beneficiários e para a gestante de substituição, como para balizar a definição pelo Conselho Nacional da PMA dos critérios de autorização prévia do contrato a celebrar entre os primeiros e a segunda".
Ainda no comunicado pode ler-se que "a Lei da PMA não oferece uma medida jurídica com densidade suficiente para estabelecer parâmetros de atuação previsíveis relativamente aos particulares interessados em celebrar contratos de gestação de substituição, nem tão-pouco estabelece critérios materiais suficientemente precisos e jurisdicionalmente controláveis para aquele Conselho exercer as suas competências de supervisão e de autorização administrativa prévia (violação do princípio da determinabilidade das leis, que é um corolário do princípio do Estado de direito democrático)".
O Expresso sabe que o acórdão é grande e denso, tendo muitas declarações de voto vencido. Num ponto terá havido unanimidade, a de que regulamentação da lei tem de passar pelo Parlamento e não pode ser feita por decreto do Governo.
O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida autorizou, a 13 de abril, o segundo casal a fazer gestação de substituição. Trata-se do segundo casal com autorização para fazer os tratamentos de fertilidade.
Nesse dia, outro processo foi aprovado liminarmente e a documentação seguiu agora para a Ordem dos Médicos (OM), que tem um prazo máximo de 60 dias para se pronunciar.
Até ao momento foram celebrados dois contratos de gestação de substituição. E sete processos estão em fase de avaliação: a quatro foi pedida informação adicional; um processo foi encaminhado para a OM, onde estão mais dois casos à espera de parecer.