Sociedade

Português ao volante, multa constante

Velocidade a mais, álcool a mais, telemóvel a mais e cinto a menos. Estas são as quatro infrações que a GNR mais castiga nas estradas nacionais. São 1500 ‘papelinhos’ por dia

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Imagine uma viagem de carro do Porto até Braga, sem trânsito nem imprevistos — coisa para demorar cerca de uma hora, se cumprir os limites de velocidade. Aliás, para efeitos deste artigo, é aconselhável que o faça. Circule de acordo com as regras de trânsito, não beba antes de conduzir, não use o telemóvel e certifique-se que tem o cinto de segurança posto. Feito isto, meta-se ao caminho. De vez em quando, vá olhando pelos espelhos e pela janela e eis o que provavelmente vai ver nesses 60 minutos: 18 condutores vão passar por si em excesso de velocidade, dois estarão provavelmente com excesso de álcool, outros dois vão estar distraídos com o telemóvel e haverá ainda um par de pessoas sem cinto de segurança. Nada de estranho. É assim todas as horas.

De acordo com dados do ano passado, a GNR apanha todos os dias 440 condutores em excesso de velocidade nas estradas portuguesas. São também detetados 68 casos de condução com valores de álcool no sangue superiores ao permitido, sensivelmente o mesmo número de ocupantes da viatura sem cinto de segurança (67) e um pouco menos (62 casos) de situações de uso indevido do telemóvel. São estas as quatro infrações principais ao Código da Estrada e, ao que parece, são tudo menos surpreendentes. O diretor-geral da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP) não encontra grande novidade nos números da GNR. Após um primeiro contacto, interrompido por se estar a preparar para entrar no carro, Alain Areal devolve a chamada do Expresso. “As áreas com mais fiscalização são as áreas cujas consequências em caso de acidente são mais graves. É assim que deve ser, e a fiscalização devia ser ainda mais intensa”, defende o responsável da PRP.

Voltemos à viagem de carro em direção a Braga. Repare como é fácil perceber que alguns condutores não circulam pela direita (2359 foram multados no ano passado), enquanto outros se esquecem de sinalizar as manobras ou circulam sem qualquer iluminação (22.396 multas). No total, e somando todas as contraordenações, os militares da GNR preencheram, em 2017, 544.368 multas: 1491 por dia, 62 por hora, uma por minuto. Se está a ler este artigo há dois minutos, duas pessoas já foram multadas.

No entanto, e apesar de tudo o que pode ir vendo pela janela, eis algo que não conseguirá perceber: no ano passado morreram 509 pessoas mortas nas estradas portuguesas, uma subida de 64 vítimas mortais em relação a 2016 (12,5%). De acordo com a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, houve também mais acidentes, mais feridos graves e mais feridos ligeiros. A primeira reação é pensar nestes dados apenas como números — um livro recente, “The Tyranni of Metrics”, de Jerry Z. Muller, constata que damos demasiada importância aos números como ferramentas de auxílio à tomada de decisão. “Meio milhar de mortos ao longo de um ano não é algo que impressione as pessoas”, admite um responsável da GNR. “Mas estamos a falar de 500 vidas perdidas, de outras tantas famílias afetadas, de pessoas que ficam feridas, com problemas para a vida toda...”

Alain Areal encontra uma forma diferente de analisar algumas das principais infrações ao Código da Estrada. Uma análise cruzada entre os números da sinistralidade revela que em Portugal 32% de todos os condutores vítimas mortais apresentavam álcool no sangue e 24 por cento tinham valores de taxa-crime. “A fiscalização é apenas a ponta do icebergue. É preciso saber o que acontece depois. No caso do álcool é imediato, mas por exemplo na velocidade a pessoa paga a multa e fica à espera que o processo prescreva — e isso acontece com frequência”, constata o responsável da PRP.

O tom de voz muda quando o assunto passa para os cintos de segurança. “A realidade podia ser ideal: a taxa de utilização ronda os 96 a 98 por cento. Mas o problema está nos bancos de trás. É incompreensível que as pessoas não usem o cinto, é a única coisa que impede que sejam projetadas em caso de acidente, é o único mecanismo que salva vidas. As pessoas resistem, apesar de ser obrigatório. Os sinais sonoros do carro deviam funcionar para todos os cintos e, creio, é uma área em que devia intensificar-se a fiscalização”, sugere Alain Areal, lembrando que, na Holanda, em 2015, as autoridades passaram 6,6 milhões de multas relacionadas com o excesso de velocidade. Em Portugal, somando GNR e PSP, esse número rondou os 300 mil autos de contraordenação.

Apesar de tudo, as infrações que os portugueses cometem ao volante não são assim tão diferentes das que são protagonizadas pelos condutores de outros países europeus. Em junho do ano passado, a Comissão Europeia publicou o 11º relatório sobre o progresso das políticas comunitárias de segurança rodoviária. E é lá que surge o top 8 das infrações. Sem surpresa, o excesso de velocidade lidera, seguido pela falta de cinto de segurança. Estão lá também o excesso de álcool, de estupefacientes e, entre outros, o uso do telemóvel. Não é por acaso que a velocidade, o álcool e o cinto de segurança são conhecidos como os big killers — os três erros cujas consequências são mais graves em caso de acidente.

O sistema rodoviário é constituído por quatro elementos: a via, o veículo, o ambiente e o condutor. “O erro humano está na origem de mais de 90% dos acidentes”, explica uma fonte da GNR. “E o que constatamos é que esses erros resultam frequentemente de distração dos condutores.” O conceito de “condução distraída” é algo de que, provavelmente, muitos portugueses vão começar a ouvir falar em breve. Para Alain Areal, é importante que as pessoas percebam o perigo dos seus comportamentos. “O sentimento geral é muito importante. Se as pessoas sentirem que vão ser fiscalizadas, que mais cedo ou mais tarde vão ser controladas, então é mais fácil que adotem medidas de segurança. Caso contrário, se o sentimento for de impunidade, vão arriscar mais. O ‘se calhar safo-me’ é o pior inimigo da segurança rodoviária”, reconhece.