Sociedade

Operação Fizz. O telefonema que o procurador Orlando Figueira fez para Proença de Carvalho quando foi detido

A advogada de Orlando Figueira trouxe para o julgamento uma escuta telefónica que, na opinião da defesa, ajuda a provar a alegada intervenção de Daniel Proença de Carvalho na revogação do contrato de trabalho que justificou o pagamento ao magistrado de 630 mil euros, dinheiro que o Ministério Público vê como subornos.

Mário Cruz/Lusa

A escuta tem quatro minutos e meio mas é o último minuto que conta, quando uma assistente da Uría Menendez — Proença de Carvalho passa finalmente a chamada ao sócio principal daquele escritório de advogados e Daniel Proença de Carvalho vem ao telefone para falar com Orlando Figueira. Na breve conversa entre os dois, o advogado reconhece que teve uma “intervenção recente” em algo que, embora não seja referido na chamada, percebe-se ter tido a ver de alguma forma com o antigo procurador que está a ser atualmente julgado por corrupção no processo conhecido como Operação Fizz.

Gravada a 23 de fevereiro de 2016, quando Orlando Figueira foi surpreendido em casa com uma operação de buscas conduzida por duas antigas colegas suas do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), onde tinha trabalhado até 2012, a intercepção telefónica faz parte de um pedido da defesa, apresentado na segunda-feira ao coletivo de juízes da Operação Fizz, para que algumas escutas desse dia pudessem ser juntas aos autos do julgamento em que o antigo procurador está acusado de corrupção passiva, por ter sido alegadamente subornado com 760 mil euros por Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola, em troca do arquivamento de um inquérito-crime em que o antigo número dois de José Eduardo dos Santos era visado por suspeitas de lavagem de dinheiro. O tribunal aprovou já esta quinta-feira a junção dessa escuta aos autos de forma a poder servir de prova (sendo que autos não estão em segredo de justiça).

Desde que o julgamento começou, a 22 de janeiro, e já antes disso, numa longa exposição escrita que entregou ao tribunal no final do ano passado, Orlando Figueira tem insistido em dizer que Manuel Vicente não tem nada a ver com os 760 mil euros que recebeu entre o final de 2011 e o verão de 2015, apontando o dedo noutra direção: para Carlos Silva, o luso-angolano que é vice-presidente do BCP em Portugal e que é fundador e principal accionista do Banco Privado Atlântico (BPA), com sede em Luanda e com um banco correspondente em Lisboa, o Atlântico Europa, através do qual os subornos foram pagos, de acordo com a acusação do Ministério Público. A par de Carlos Silva, o antigo procurador também referiu na sua exposição e nas declarações iniciais que fez na semana passada em julgamento o alegado envolvimento de Daniel Proença de Carvalho, que foi advogado daquele banqueiro angolano.

Uma questão de inconveniência

No telefonema de 23 de fevereiro de 2016, quando Orlando Figueira explicou a Proença de Carvalho que ia ser detido e levado para interrogatório judicial e lhe perguntou se tinha disponibilidade para o defender, o advogado respondeu-lhe que a sua “intervenção” (não dizendo em quê) tinha sido “mais recente” e que para ele “até ser útil nessa matéria” não era “conveniente” estar agora a assumir-se como seu representante judicial.

Segundo Figueira, foi Daniel Proença de Carvalho quem tratou em 2015 da revogação de um contrato de trabalho que o antigo procurador estabeleceu com uma misteriosa companhia com sede em Angola, a Primagest, e que justificou um total de 630 mil euros recebidos pelo arguido — considerados como a fatia de leão dos subornos — apesar de o magistrado nunca ter ido trabalhar para Angola como jurista, ao contrário do que estipulava esse acordo.

Ainda antes de haver acusação, a defesa de Manuel Vicente, patrocinada pelo advogado Rui Patrício, negou que existisse alguma relação do seu cliente — ou da Sonangol, a petrolífera estatal angolana de que Vicente foi CEO até janeiro de 2012 — com a Primagest. Por outro lado, numa nota divulgada à imprensa esta segunda-feira como reação ao facto de Orlando Figueira ter dito no julgamento que o convite para trabalhar para a Primagest foi feito por Carlos Silva, o banqueiro negou que isso tivesse acontecido. Já em janeiro de 2017, quando foi ouvido como testemunha em Luanda, o vice-presidente do Millennium BCP referiu-se à Primagest como “um cliente do Banco Privado Atlântico” e “uma sociedade angolana de investimentos” cujo “objeto de atividade” disse desconhecer.

Em declarações ao Expresso, Proença de Carvalho diz que vai pedir quebra de siligo (ver notícia aqui).