Sociedade

E no meio da mistura de culturas há luqaimat

Quem não conhece ou nunca esteve nesta região pode ter dúvidas quanto à igualdade, à segurança, à cultura, à comida, à religião e ao modo de vida. Elisabete, quando lá chegou, aprendeu que temos de aprender mais sobre o Dubai, onde o custo de vida é elevadíssimo mas o nível de vida também. Esta é a quarta história da segunda série “Em Pequeno Número”, que o Expresso começou a publicar há dois anos e que relata a vida dos portugueses que vivem em regiões onde quase não os há

Elisabete Dias/DR

A pergunta que mais vezes lhe fizeram quando se mudou para o Dubai tinha que ver com o facto de ser mulher. Era ou não preciso vestir a abaya, a veste tradicional feminina, geralmente preta, usada para cobrir o corpo? A resposta que dá hoje, três anos e cinco meses depois, é fácil: “Claramente não”. Mas quando se mudou de Portugal para os Emirados Árabes Unidos, Elisabete Dias questionava-se sobre como teria de se vestir, como seria tratada enquanto mulher e se poderia ter o mesmo estilo de vida de uma mulher ocidental.

A decisão de trocar Portugal pelo Dubai surgiu em julho de 2014 quando optou por mudar de emprego. Trabalhava numa empresa de consultoria, mas o país atravessava uma fase difícil, o mercado estava saturado e queria ter outra experiência profissional. Depois de ouvir algumas descrições sobre o Dubai, decidiu ir.

A maior diferença que agora sente é na qualidade de vida que tem. “Começo a trabalhar às 7h30 e termino às 14h30 mas não tenho nenhuma rotina concreta. O tipo de horário proporciona-me algum tempo livre, que passo entre as idas ao ginásio, à praia e o convívio entre amigos.” Elisabete vive na marina do Dubai, que é uma zona central, e leva meia hora de carro de casa ao trabalho.

Elisabete Dias vive no Dubai desde 2014
Elisabete Dias/DR


“A experiência de viver aqui é muito diferente das anteriores, principalmente no que diz respeito à questão da segurança. O Dubai é um dos locais mais seguros onde já estive.” Brasil e Angola foram os dois outros países por onde também passou. Licenciada em informática de gestão, está atualmente a trabalhar no sector da aviação.

“Os Emirados Árabes Unidos são um país muçulmano. No entanto, o Dubai tem uma cultura bastante aberta e recetiva face a pessoas estrangeiras com diferentes culturas e religiões. Existem pessoas de todo o mundo a viver no Dubai e uma grande aceitação e respeito.” Segundo os dados das Nações Unidas, 76% da população a residir nos Emirados Árabes Unidos é muçulmana, 9% é cristã e os restantes 15% têm várias outras religiões, como hindu, budistas ou sikhs.

Luqaimat, a sobremesa preferida

O número de portugueses a viver nos Emirados Árabes Unidos tem aumentado. Já não é propriamente um país onde seja difícil encontrá-los. “Não sei ao certo quantos são, mas neste momento já existe um número considerável, em particular no Dubai.” Porém, não existem números concretos: nem o Observatório da Emigração nem as Nações Unidas apontam qualquer registo de portugueses no país.

Mercado local (souk) na zona antiga do Dubai Foto Elisabete Dias/DR
Elisabete Dias

Os dados das Nações Unidas apontam para que só no Dubai vivam 2,4 milhões de habitantes. Já os Emirados Árabes Unidos no total têm cerca de 6 milhões de habitantes e 88% da população é estrangeira. Entre os estrangeiros, 59% são sul-asiáticos, sobretudo da Índia, Bangladesh e Paquistão. Mas entre as nacionalidades mais representativas estão também os egípcios e filipinos.

Pelo facto de ser um país tão multicultural, é possível encontrar restaurantes de todo o mundo. “A comida árabe que mais prevalece no Dubai é a libanesa, mas também é possível encontrar restaurantes de comida local, que é muito à base de fritos.” Em especial, há uma sobremesa de que gosta mais: chama-se luqaimat e são bolinhos fritos em óleo regados com molho de tâmaras.

Vista a partir do Burj Kulifa, o edifício mais alto do mundo, com 828 metros de altura e 160 andares, no Dubai Foto Elisabete Dias/DR
Elisabete Dias/DR

Consumo de álcool e a religião

A integração no Dubai foi fácil e o facto de haver tantos estrangeiros, conta, cria “uma maior abertura para conhecer novas pessoas”. Até mesmo os seus receios iniciais quanto ao papel da mulher acabaram por não se concretizarem. “Como mulher nunca tive de alterar a minha forma de estar ou de vestir para me sentir aceite ou integrada.”

“Quando cheguei, o que encontrei foi de encontro às minhas expectativas. A minha rotina não difere muito da que tinha em Lisboa, apenas tenho horários diferentes e mais tempo livre.” A integração também foi fácil e a maioria das pessoas são estrangeiras, o que também cria “uma maior abertura para conhecer novas pessoas”.

A cultura local sente-se mais no convívio fora do trabalho, pois o que existe é apenas entre grupos de mulheres ou grupos de homens, espelhando o facto de as relações sociais entre homens e mulheres serem “realizadas maioritariamente entre familiares com a presença do marido e da mulher”.

Vista dos arranha-céus
Elisabete Dias/DR

O consumo de álcool é outras das diferenças. “No Dubai, o consumo de álcool apenas é permitido em hotéis, restaurantes e estabelecimentos que possuam licença para vender álcool.” Essa licença tem de ser autorizada pela polícia. “A compra também é restrita e é efetuada em locais específicos, sendo necessário adquirir também uma licença.”

Elisabete Dias conclui que apesar de a religião tem uma grande influência na vida da população muçulmana, ela tem pouco impacto na população não muçulmana. “O maior impacto é na altura do Ramadão. Durante aproximadamente 30 dias não é permitido comer ou beber em público, desde o amanhecer até ao anoitecer, com exceção de crianças, grávidas e pessoas doentes. Os restaurantes estão fechados durante o dia e apenas abrem à noite. Existem só alguns que possuem licença para estarem abertos e servirem refeições.” Essa lista é publicada antes do Ramadão.

Outra vista a partir do Burj Khalifa
Elisabete Dias/DR

Custo de vida elevado

A economia dos Emirados Árabes Unidos baseia-se essencialmente nos serviços (40,1%) e na indústria (39%). O petróleo há muito que se transformou no grande motor da economia mas também gerou uma grande dependência. Outros dados mostram que os níveis de desemprego são baixos – a taxa era de 3,6% em 2016 – e 78% da população trabalha no sector dos serviços. “O Dubai tem um custo de vida elevadíssimo, quer no que diz respeito ao alojamento, quer em relação à educação e saúde, pois não existe serviço público, apenas serviços privados. Porém, acrescenta Elisabete Dias, “o Dubai proporciona um nível de vida que a maioria das pessoas não consegue ter nos seus países de origem”.

A qualidade de vida que agora sente está ligada à possibilidade de conciliar a vida pessoal com a profissional. “Algo que não tinha em Portugal.” E isso ajuda-a a decidir ofuturo. “Planeio ficar aqui enquanto me sentir bem. Neste momento não estou a pensar voltar e não tenho planos para tal.”