No dia em que recebeu a chamada do amigo José Rodrigues a pedir-lhe ajuda por não conseguir dar resposta a todos os portugueses que chegavam desamparados à ilha de Guadalupe, vindos de outras ilhas das Caraíbas devastadas pelos ciclones, Armindo não hesitou. “Peguei no carro e fui com a minha mulher ao encontro dos portugueses. Eu e o meu amigo José Rodrigues decidimos por nós mesmos organizar tudo. Demos dormida nas nossas casas e em casa de amigos e familiares.”
Tudo aconteceu no início do mês de setembro: o ciclone Irma passou pelas Caraíbas no dia 5, seguido por mais dois ciclones na semana seguinte. “Na passagem do Irma, a ilha de Guadalupe pouco sofreu mas em todas as ilhas ao lado foi um desastre. Foi o maior ciclone de todos os tempos”, recorda o português de 52 anos, a viver há três anos na ilha caribenha de Guadalupe. “As Barbudas, Antígua, São Martinho e São Bartolomeu foram destruídas por completo. Um horror.”
Naquela semana, os portugueses começaram a juntar-se na ilha de Guadalupe, de onde mais tarde viriam a ser retirados por um avião da Força Aérea. “Demos-lhes apoio psicológico, para eles verem que não estavam sozinhos, demos orientações para saberem onde dormir, comer ou apanhar um táxi e também demos apoio em termos de saúde”, conta Armindo, lembrando que havia até uma mulher grávida de oito meses que entretanto teve o bebé em Portugal. “Foi tudo feito de coração e com muito carinho. Com esta experiência ganhei muitas amizades.”
Quando o C-130 da Força Aérea chegou a Guadalupe para trazer os portugueses, “o trabalho estava feito a 90% e só precisaram de controlar os papéis e embarcar”. Houve 72 pessoas a regressarem no avião português e outras 40 a fazer a viagem para Portugal através de Paris.
O gesto valeu a Armindo Fernandes e a José Rodrigues uma medalha de mérito entregue a 31 de outubro pelo Secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, em Portugal. “Os dois cidadãos portugueses proporcionaram alojamento, alimentação e transporte a diversos portugueses, inclusive nas suas próprias casas e nas casas dos seus familiares, revelando um extraordinários sentimento de solidariedade e altruísmo para com os seus compatriotas e o nosso país”, lê-se na nota então emitida pelo gabinete da secretaria de Estado.
O começo nas Caraíbas
Quando Armindo Fernandes chegou à ilha de Guadalupe, a 1 de janeiro de 2014, não imaginava o que teria pela frente. “O que aqui se passou foi uma experiência nova na minha vida: os ciclones. O batismo dos ciclones. E se pudesse escolher gostava de não voltar a viver mais nenhum.”
Em 2014, a mulher de Armindo arranjou colocação como enfermeira em Sainte Anne, cidade numa das duas ilhas de Guadalupe, que é uma região insular de França, no meio do mar das Caraíbas. “Saí de Portugal com 20 anos e fui viver para França. Comecei numa estufa de flores onde estive durante dois anos, depois trabalhei numa fábrica de cadeiras de madeira, depois numa casa de preparação e distribuição de jornais e revistas, depois nas obras como pedreiro e desde então sou motorista de camiões.”
E é como motorista que hoje trabalha, percorrendo a ilha nos seus trajetos. “Às seis da manhã estou de pé. Vivo a poucos quilómetros do trabalho. Quando chego a casa ocupo-me da horta e dos animais, sobretudo galinhas.”
Armindo Fernandes conhece alguns portugueses a viver em Guadalupe e estima que a comunidade tenha cerca de 150 pessoas. Os números das Nações Unidas sobre os portugueses no mundo são mais altos, apontando para cerca de 470 portugueses a residir na ilha em 2017. Já em São Bartolomeu, de onde vieram muitos dos portugueses que fugiram aos ciclones, a comunidade é maior.
“Nas Caraíbas vive-se com o sol e a temperatura é agradável durante o ano inteiro.” Uma das fontes de rendimento é a produção de açúcar e de banana. “O que mais ocupa a população é a cana e os seus derivados como o rum ou os ponches.” Para além desta pequena indústria ligada ao açúcar, a economia da ilha está também dependente do turismo e da agricultura, com um nível de desemprego elevado, sobretudo entre os jovens.
A televisão na praia
Armindo e a mulher optam por manter os seus hábitos, até mesmo gastronómicos. "Tanto comemos pratos de França como de Portugal. Até mesmo pastéis de nata feitos em casa e bacalhau. Mas há pratos tradicionais, como o Colombo de Cabri. “É cabrito guisado com uma mistura que chamam massala e que é acompanhado com arroz e abóbora.” Nas festas normalmente é servido em folhas de banana e comido com as mãos. Há também o chamado ‘boudin’, chouriços de sangue, de bacalhau ou de lagosta.
“Atualmente estão a decorrer as festas de Natal. As associações fazem as festas e as pessoas dançam, comem e bebem gratuitamente. Depois vem o Carnaval e os seus desfiles – os jovens colocam-se nas rotundas com máscaras de macacos e bloqueiam a estrada a dançar e pedir uma moeda. Depois na Páscoa as festas são na praia. As famílias reservam um local e levam tudo para a praia, até a televisão. Comem, bebem e dormem na praia durante uma semana.”
O plano que tem neste momento é ficar nas Caraíbas no mínimo por mais cinco anos. “Quando me for embora, vão fazer-me falta as boas frutas que se comem aqui, mesmo as que tenho no quintal.” Os maracujás, as mangas e as bananas, “que têm um gosto que não nada a ver com aquele a que estamos habituados” são os mais conhecidos, mas também junta à lista jacas, anonas ou fruta-pão. “E, claro, vão fazer-me falta as praias, o clima e o sol o ano inteiro.”
Sobre a ajuda que deu aos portugueses e que lhe valeu a condecoração recebida a 31 de outubro, Armindo Fernandes explica ter feito o que lhe ensinaram que devia fazer. “Estamos longe de casa e temos de ser solidários. Somos, primeiro de tudo, portugueses.”
texto atualizado às 13h03