Voto naquela que foi a minha Escola Preparatória nos idos anos 80. Um sítio simpático, com pessoas bem-dispostas na mesa de voto e à cabina de voto não falta a clássica caneta presa com uma guita. A caminhada que me leva ao voto (tenho o privilégio de poder ir a pé) é um trajeto de encontros. De amigos e de conhecidos. Votar é, para mim, toda uma experiência social. Interessante, mas anacrónica tendo em conta a realidade tecnológica que hoje vivemos. Afinal, já uso o telefone para ir ao banco, para aceder a dados de saúde, das contas da água, eletricidade, faço pagamentos; só não consigo colocar uma cruz num determinado quadrado.
Isto numa época em que se receia o fim do mundo às mãos da Inteligência Artificial; em que se disputa uma ciberguerra mundial; que os carros vão andar sozinhos; e que os robôs se preparam para acabar com os nossos empregos. O mesmo tempo, reforço, em que em Portugal não se pode fazer uma cruz num boletim de voto a partir do computador ou do telefone.
O que seria das elevadas taxas de abstenção que caracterizam os atos eleitorais portugueses se tivéssemos um sistema de voto eletrónico semelhante ao vigente na Estónia? O pequeno estado do Báltico já permite a votação eletrónica desde 2005!
Mais de 30% dos eleitores na Estónia (ou os estónios a viver fora do país) já optam por um processo de voto que pode ser feito, até, via smartphone. Ou seja, já não é preciso sair de casa e enfrentar a chuva, deixar de ir à bola ou, por exemplo, perder o dia fantástico de praia. Basicamente, acabam-se as desculpas para não contribuir ativamente para a democracia. É importante referir que a tecnologia não resolveu o problema da abstenção na Estónia. No entanto, os meios eletrónicos foram implementados e mesmo alegados problemas de segurança — como explica a "Forbes" — não demovem o Governo a mudar de estratégia.
Não é só na Estónia. Nos EUA, no Canadá e na Índia… há máquinas para o voto eletrónico que utilizam tanto a certificação documental quanto a biométrica para garantir a segurança do processo. Por toda a Europa também há experiências com estes sistemas de votação: na Alemanha, na Noruega, na Suíça e na Holanda. Neste último país, falhas de segurança acabaram por forçar as autoridades a abandonar a via eletrónica – que foram usadas durante 20 décadas em larga escala nas mais variadas eleições holandesas.
O tema da segurança é o mais crítico na implementação do voto eletrónico. Uma barreira que a Estónia conhece e que assumiu. O país utiliza as normas de encriptação mais avançadas e recorre a sistemas de segurança robustos que cruzam vários tipos de autenticação – desde a colocada no hardware (em componentes eletrónicos) até à biométrica. Fazem-no, mesmo tendo em conta a verdade universal da segurança informática: nenhum sistema é 100% seguro.
Em Portugal, temos, cada um de nós, uma das ferramentas essenciais para poder votar eletronicamente: o Cartão do Cidadão. O nosso documento de identificação está mais do que preparado para permitir uma autenticação em segurança. Aliás, já o utilizamos para esse propósito. Ao cartão e, por exemplo, a uma palavra-passe cedida pelo sistema – é o que acontece quando queremos aceder à Segurança Social Direta, por exemplo. Na Estónia até usando o smartphone é possível votar devido à segurança que está associada ao cartão SIM.
Acredito que num futuro próximo (5/10 anos) será o nosso corpo a palavra-chave que vai autenticar-nos no sistema de votação. Basta ver o que a Apple mostrou com o Face ID do novo iPhone Dez. Olhar para a câmara do telefone como condição essencial para aceder à app de votação será um passo obrigatório para a poder utilizar. Algo que pode ser acrescentado à segurança instalada no cartão SIM e à qual ainda se pode exigir (só para despistagem) a introdução de uma impressão digital. Informações biométricas que nunca vão estar disponíveis no sistema, mas apenas residentes dentro dos terminais móveis – como a Apple e a Samsung fazem hoje com os seus sistemas de pagamento por impressão digital.
Vejamos, qual é a probabilidade de alguém ter uma cara igual à sua, lhe ter roubado o telefone e ter uma cópia da sua impressão digital? Imbatível, certo?
Votar não pode continuar a ser um processo ineficiente que rouba tempo aos cidadãos. À semelhança do que está a acontecer com a transformação digital em curso em setores como a agricultura, a banca, a saúde e a indústria… também o sistema eleitoral tem de adaptar-se às expectativas dos seus clientes. Nós, eleitores, exigimos muito mais dos serviços disponibilizados pelo Estado e pelo setor privado. E o voto não pode ser exceção.
Ah! E esqueça o fantasma dos ataques informáticos. Ter sistemas seguros e resilientes é uma consequência do mundo digital e da vida digital que hoje levamos. O segredo está em manter as plataformas, atualizando-as e desenvolvendo-as com novas funcionalidades e serviços. E não esquecer: as falhas informáticas existem em todos os sistemas. Realço: em todos.
Só o reconhecimento destas fragilidades (das falhas informáticas) vai permitir alcançar a maturidade suficiente para acabar com discussões estéreis em período de eleições. Como aquela sobre a ocorrência de jogos de futebol em dia de eleições. Uma tristeza.
Agradeço, para concluir, que quem de direito faça avançar, de uma vez por todas, os processos necessários para que a minha filha mais nova nunca tenha de entrar numa cabina de voto. Ela tem sete anos. Muito obrigado.