A equipa do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que tem estado a investigar José Sócrates nos últimos quatro anos por indícios de corrupção, no âmbito da ‘Operação Marquês’, decidiu avançar esta semana com o arresto de vários imóveis, como forma de garantir que as Finanças possam receber o que for determinado pelo tribunal como perda a favor do Estado caso Sócrates venha a ser condenado. A iniciativa do Ministério Público acontece numa altura em que o inquérito-crime está prestes a ser concluído.
Na justificação para o arresto que vem exposta no despacho enviado para a Conservatória do Registo Predial de Lisboa no âmbito da ‘Operação Marquês’, o DCIAP revela que Sócrates recebeu, “pelo menos, 32.029.925 euros em subornos”. O despacho coloca dois cenários: o arresto dos imóveis serve como garantia do “pagamento do valor de parte de 19.500.000 euros em sede de IRS e juros não entregues ao Estado” ou da “perda de vantagem do crime” no montante dos 32 milhões de euros.
O arresto deu entrada na Conservatória na segunda-feira, 2 de outubro, e engloba três apartamentos que foram vendidos entre 2011 e 2012 pela mãe de José Sócrates ao empresário Carlos Santos Silva, que está indiciado por corrupção e branqueamento de capitais. Santos Silva, um amigo próximo de Sócrates, é encarado pelo MP como tendo sido um testa de ferro do ex-primeiro-ministro.
Além disso, a apreensão judicial também inclui uma herdade em Montemor-o-Novo, no Alentejo, que está em nome de Sofia Fava, ex-mulher de Sócrates. Com uma casa principal de 500 metros quadrados e 12 hectares de terras, o Monte das Margaridas, como é conhecido, viu o seu registo predial alterado e agora identifica como sujeito passivo José Sócrates e como “sujeito titular inscrito” a sua ex-mulher.
A partir deste momento, se qualquer das propriedades for vendida, o dinheiro da venda ficará retido automaticamente à conta do MP, de modo a que o Estado consiga receber o máximo de dinheiro possível em caso de condenação do principal arguido da ‘Operação Marquês’.
A venda dos três apartamentos da mãe de Sócrates, Maria Adelaide Monteiro, a Carlos Santos Silva foi um dos primeiros factos a serem identificados como suspeitos pelo MP, logo no início do inquérito-crime, em 2013. O primeiro desses apartamentos a ser vendido foi negociado no dia a seguir a Sócrates ter perdido as eleições, em junho de 2011, por 100 mil euros. Trata-se de uma casa de três assoalhadas num prédio modesto em Agualva-Cacém. No mês seguinte, um outro apartamento no mesmo edifício foi vendido por 75 mil euros. E em setembro de 2012 foi a vez de Carlos Santos Silva comprar a Maria Adelaide por 600 mil euros a casa onde ela morava, no mesmo prédio que Sócrates, o Heron Castilho, na Rua Braamcamp, perto do Marquês de Pombal, em Lisboa. Ao todo, o empresário pagou 775 mil euros pelos três imóveis. Meio milhão de euros foram depois transferidos de Maria Adelaide para o filho. Para a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira, tratou-se de um esquema de branqueamento de capitais, com o objetivo de disponibilizar dinheiro a Sócrates e, ao mesmo tempo, passar para a sua posse de forma camuflada o património da mãe.
Em relação ao Monte das Margaridas, a propriedade foi adquirida em 2012 por Sofia Fava e pelo seu atual companheiro, Manuel Costa Reis, através de um empréstimo de 760 mil euros contraído junto do Banco Espírito Santo com um aval dado por Carlos Santos Silva. Um facto que, juntamente com outros indícios recolhidos, levou o MP a considerar que o último beneficiário da herdade é o antigo chefe de governo. Entre esses indícios está uma avença mensal de 4600 euros paga a Sofia Fava por uma companhia do empresário, num montante similar à da prestação do empréstimo. Sofia Fava foi constituída arguida em abril de 2016, por indícios de ter sido cúmplice do ex-marido neste esquema de branqueamento de capitais.
Acusação em fase avançada
Numa consulta ao registo predial, o Expresso verificou que o arresto promovido esta semana não inclui, de qualquer forma, a casa onde mora atualmente Sofia Fava, na Rua Abade Faria, em Lisboa, e onde Sócrates esteve a viver temporariamente, depois de ter saído da cadeia de Évora, onde esteve em prisão preventiva entre novembro de 2014 e setembro de 2015.
O montante entretanto apurado de 32 milhões de euros é substancialmente superior aos 23 milhões de euros de subornos que o MP acreditava terem sido canalizados para o ex-primeiro-ministro no momento da sua detenção, em novembro de 2014, quando as suspeitas sobre a origem do dinheiro estavam ainda concentradas apenas no Grupo Lena, um conglomerado de construção e obras públicas de que Santos Silva chegou a ser administrador.
Para o aumento do valor das luvas alegadamente pagas ao antigo líder do Partido Socialista contribuíram as sucessivas descobertas que foram sendo feitas pelo DCIAP, relacionadas com o Grupo Espírito Santo (GES), e transferências indiretas feitas através de offshores a partir de um saco azul, a Espírito Santo (ES) Enterprises, tendo como alegado motivo a intervenção de Sócrates nos bastidores da venda de uma posição da Portugal Telecom na operadora brasileira Vivo e na compra de uma participação de 23% na também brasileira Oi.
No início de setembro, para consolidar a recolha de provas relacionadas com a Portugal Telecom, o DCIAP passou a integrar na ‘Operação Marquês’ um outro inquérito-crime sobre 900 milhões de euros que aquela empresa de telecomunicações injetou no Grupo Espírito Santo, poucos meses antes do colapso do império liderado por Ricardo Salgado, o banqueiro que se tornou o principal suspeito de corromper José Sócrates, depois de ter sido denunciado por Hélder Bataglia, em janeiro deste ano, num depoimento em que este empresário luso-angolano contou ao MP como Salgado lhe pediu para fazer chegar 12 milhões de euros ao suposto testa de ferro do então chefe de governo.
A Procuradoria-Geral da República assegurou na semana passada que o despacho final do inquérito-crime “está em fase avançada de elaboração e deverá estar pronto dentro do prazo fixado”. A data determinada formalmente por Joana Marques Vidal para que isso aconteça é 20 de novembro.
[ Artigo publicado na edição do Expresso de 7 de outubro de 2017 ]