Sociedade

Pio XII proclamou o dogma da Assunção de Maria. E Salazar decretou o feriado

O feriado do 15 de Agosto é um dia de pausa e descanso em quase todos os países da Europa do Sul. As festividades populares que evocam a mãe de Jesus são comuns a católicos ortodoxos e romanos, embora tenham designações e conceitos diferentes nos dois cultos. Na igreja católica, o dogma da Assunção de Maria foi proclamado pelo Papa Pio XII, em 1950

A festa da Assunção de Maria integra-se no culto mariano. Foi o Papa Pio XII quem proclamou o dogma e, em Portugal, Salazar decretou que o 15 de Agosto seria feriado nacional
D.R.

Cinco dias antes da jornalista francesa Christine Garnier regressar a Portugal para se encontrar com Salazar, o Diário do Governo publicou o diploma que revê todos os “feriados nacionais, procurando o seu ajustamento, de um lado, a grandes datas da história pátria e, do outro, aos dias santos que a Igreja Católica julga não dever dispensar”.

O texto deste diploma assinado pelo Presidente da República Francisco Craveiro Lopes e pelo Presidente do Concelho António de Oliveira Salazar, regulamenta parte dos feriados nacionais civis e religiosos que ainda hoje são assinalados no nosso país.

Decreto-lei 38:596, publicado no Diário do Governo de 4 de janeiro de 1952
Diário do Governo

Apesar de António de Oliveira Salazar ser amigo de juventude de Manuel Gonçalves Cerejeira, cardeal-patriarca de Lisboa entre 1929 e 1972, o diploma que a 4 de janeiro de 1952 faz lei sobre os feriados nacionais, diz de forma explícita: “Quanto aos dias santos, embora pela letra da Concordata o Governo não fosse obrigado a decretar a sua equiparação a feriados oficiais, reconhece-se sem esforço que tal equiparação está em perfeita harmonia com as nossas tradições seculares, sobretudo relativamente aos dias santos mais fortemente vincados nos usos e costumes do País e de mais viva devoção na alma do povo português”.

Este diploma promove o 10 de Junho de mero feriado nacional a Dia de Portugal e reconfirma os feriados civis de 5 de Outubro e 1 de Dezembro. “São igualmente considerados feriados oficiais os seguintes dias santificados pela Igreja Católica”: Circuncisão, Corpo de Deus, Assunção de Nossa Senhora, Todos-os-Santos, Imaculada Conceição e Natal.

Horas extra de trabalho para compensar os feriados

O diploma não esqueceu o impacto que o aumento do número de dias feriados poderia ter na vida económica do país, mas acautelou o direito dos trabalhadores ao salário: “Prescreve-se que no Dia de Portugal e nos dias santos equiparados a feriado oficial cessem as atividades não permitidas por lei nos domingos e admite-se normalmente o princípio da obrigatoriedade do pagamento de salários nesses dias. Todavia, visando sempre a equitativa conciliação dos interesses da economia e dos trabalhadores, determina-se a compensação de tais salários com o acréscimo do período normal de trabalho nos dias imediatamente antecedentes ou subsequentes de cada feriado, como já se pratica em alguns casos”.

Com este parágrafo, Salazar garantiu que os serviços e atividades que cumpriam o feriado e garantiam folga aos trabalhadores teriam a sua compensação. Mas, acautelando o excesso de zelo que muitos patrões iriam exercer sobre os trabalhadores, o diploma estipulava que “o número de horas de trabalho correspondentes aos feriados será distribuído pelos dias imediatamente antecedentes ou subsequentes, não podendo todavia o período de trabalho diário ser aumentado mais de duas horas”.

O que é a Assunção de Maria?

O primeiro Papa a elevar Maria à condição de mãe de Deus foi Pio IX, ao proclamar o dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria. Se para os católicos dogma é uma verdade de Fé que não é passível de discussão, a decisão que Pio IX tomou em 1854 teve algo de inovador na liturgia da igreja romana: “A proclamação deste dogma faz parte de um processo histórico de debate” no interior da Igreja, diz ao Expresso o historiador José Eduardo Franco. Esta transformação de Maria em “Imaculada, [um ser que] nasceu sem pecado original, “representa a valorização do papel da Mãe de Deus − que está para além do da mãe de Jesus − e do elemento feminino dentro da Igreja”.

Não consta que Pio IX alguma vez tenha demonstrado qualquer sinal de empatia com o pensamento feminista seu contemporâneo; o mesmo se aplica ao Papa Pio XII que, 96 anos depois, em 1950, proclamou o dogma da Assunção de Maria, “libertando-a da experiência da morte, passando a ser a única criatura feminina e humana que não passa por esta experiência” [dada a sua condição divina].

Pio XII usou a prerrogativa ‘ex cathedra’ da Infalibilidade Papal para proclamar o dogma da Assunção de Maria
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Pio XII era um devoto do culto mariano e foi o primeiro Papa a contribuir para “a globalização do fenómeno de Fátima, através dos muitos discursos radiofónicos que fez”, diz José Eduardo Franco.

No caso da Assunção de Maria, Pio XII utilizou a prerrogativa ex cathedra da Infalibilidade Papal, que havia sido criada pelo Concílio Vaticano I no século XIX.

A proclamação do dogma pode ser lida na íntegra no site do Vaticano, mas destacamos este trecho: “Pelo que, depois de termos dirigido a Deus repetidas súplicas, e de termos invocado a paz do Espírito de verdade, para glória de Deus omnipotente que à virgem Maria concedeu a sua especial benevolência, para honra do seu Filho, Rei imortal dos séculos e triunfador do pecado e da morte, para aumento da glória da sua augusta mãe, e para gozo e júbilo de toda a Igreja, com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos S. Pedro e S. Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi Assumpta em corpo e alma à glória celestial (...) A ninguém, pois, seja lícito infringir esta nossa declaração, proclamação e definição, ou temerariamente opor-se-lhe e contrariá-la. Se alguém presumir intentá-lo, saiba que incorre na indignação de Deus omnipotente”.

Com estas ‘infalíveis’ palavras, Pio XII contribuiu de forma decisiva para que o 15 de agosto passasse a constar da lista de feriados nacionais em muitos países católicos, como é o caso de Portugal, Espanha, França, Croácia e Itália [entre outros], onde a celebração do dia santo representa um dia extra nas férias de muitos. As festividades deste dia atravessam continentes e estendem-se a países de confissão ortodoxa. É o caso da Grécia e de Chipre, em que o feriado de 15 de agosto assinala a Dormição de Maria.