É assim há 8 anos. Outono dentro, já com os dias frios de Novembro, a aldeia de Alcaide, no Fundão, transforma-se numa espécie de aldeia dos cogumelos. Os habitantes abrem os pisos térreos das suas casas aos muitos visitantes e oferecem deliciosas iguarias, todas à base de cogumelos silvestres, apanhados na serra da Gardunha. Não se preocupe já o leitor, que os cogumelos que aqui se vendem foram todos testados em laboratório e são garantidamente comestíveis. Ali, servem-se iguarias como feijoada de boletos, arroz de "amanitas caesarias" (uma espécie rara de cogumelo), risotto de frango e boletos, cogumelos salteados ou uma pizza cuja base é um cogumelo gigante. Sanchas, míscaros, boletus e 'cantarellus' assomam às mesas dos comensais.
Mas há muito mais do que apenas prazeres do palato no Festival Míscaros, que começou este sábado e que vai até segunda. Há animação de rua, passeios micológicos pela floresta, guiados por quem sabe distinguir os cogumelos comestíveis dos perigosos, muita música, ateliers para crianças e vários eventos de 'live cooking', levados a cabo por 'chefs'. Um fim de semana em cheio para provar novos sabores, adquirir novos saberes, e conhecer melhor uma riqueza do nosso país - desperdiçada, no entender de alguns.
José Matos, ex-comissário da TAP, mudou-se para o Fundão há 13 anos. Comprou uma quinta centenária - a Quinta do Vale d' Encantos -, que estava abandonada há muito, onde os cogumelos encontraram terreno próspero para se multiplicar. Hoje, são mais de 150 as espécies que José reconhece no seu terreno – e que aqui descobriu. Parecem muitas, mas se pensarmos que só a serra da Gardunha tem "400 espécies de cogumelos diferentes"… Ele, que apanha "muitos quilos por dia" e os vende a portugueses e estrangeiros, conhece bem os perigos que a floresta vive no momento em que "as hordas de apanhadores" a invadem, de setembro a novembro.
O guia dos passeios micológicos pela floresta que decorrem no Festival Míscaros explica que este é um sector económico em Portugal sem qualquer regulação ou legislação. Os apanhadores não têm licenças, vêm estrangeiros escavar a floresta com máquinas agrícolas e destruir os micélios dos terrenos, e levam cogumelos portugueses que são depois vendidos ao dobro ou ao triplo do preço em Espanha, França ou Itália - países onde a tradição de comer cogumelos leva décadas de avanço. José Matos arrisca mesmo que apenas 10% da produção nacional de cogumelos é consumida dentro de portas... o que significa uma lamentável perda económica e cultural.
Para os que têm por hábito ou ritual colher cogumelos silvestres depois das primeiras chuvas, aqui fica um guia prático (com fotografia) com uma lista dos principais cogumelos comestíveis e tóxicos em Portugal. Em caso de dúvida, não pense duas vezes: não colha, não coma! Todos os anos, invariavelmente, há quem vá parar ao hospital por ter comido cogumelos que não devia.