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Cinema: O jogo de máscaras Mastroianni numa comédia invulgar

Em “Marcello Mio”, Chiara Mastroianni faz de Chiara Mastroianni, que quer metamorfosear-se em Marcello Mastroianni. Os cinéfilos vão gostar, os muito cinéfilos ainda mais, os outros talvez achem que o jogo é frívolo

Chiara Mastroianni deve ter estudado ao milímetro as expressões e os gestos do pai, Marcello, que, por instantes, se materializam — e iluminam tudo

A sequência de abertura é impagável — divertida, patética e cruel, tudo ao mesmo tempo. Para uma sessão fotográfica, numa fonte monumental de Paris, Chiara Mastroianni, de cabeleira loira, lábios pintados de vermelho vivo e vestido com cauda, mima Anita Ekberg na célebre cena na Fontana de Trevi. É tudo exorbitante, exagerado, vão, naquela vontade de sublinhar imagens que se tornaram emblemáticas e que, no ato de as avocar sem razão alguma, perdem o seu potencial mitológico. Ela acaba a fugir. Mais tarde, durante o casting para um filme, a realizadora Nicole Garcia comenta a prestação de Chiara, dizendo que gostava que ela fosse um pouco mais Mastroianni e menos Deneuve — aludindo aos seus dois progenitores (Marcello Mastroianni/Catherine Deneuve). Essa dupla evocação de uma figura paternal tutelar, há quase 30 anos desaparecida — mais tarde perceberemos que é também um trabalho retrospetivo para um lugar de infância onde a felicidade existia — empurra Chiara para incorporar a persona do pai e de, nessa entidade impossível de volver à vida, se apagar. E veste-se como ele, ganha as expressões dele, torna-se ele.