Uma das coisas que se descobre com mais prazer nesta fábula chamada “A Quimera” é a sua ligação à terra e à ruralidade italiana de um certo período. É um filme que sabe muito bem o terreno que pisa. Ao mesmo tempo, quer deixar-nos com a cabeça à roda. Em “O País das Maravilhas” (2014), segunda longa-metragem, Alice Rohrwacher já se alimentava de memórias e lugares vividos por si na província toscana. “Feliz como Lázaro” (2018), passo seguinte, ancorava-se em histórias do campesinato da mesma região italiana. Neste sentido, não é por acaso que “A Quimera” se passa na Toscana dos anos 80, a década da infância da cineasta que foi também a década de maior atividade dos tombaroli, caçadores que procuraram e profanaram túmulos etruscos para vender na candonga os seus tesouros.
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“A Quimera”, fábula invulgar de Alice Rohrwacher, chega hoje às salas de cinema. “Procurei imagens vivas, sujas ou limpas pouco importa”
À quarta longa-metragem, a italiana Alice Rohrwacher, com quem falámos, amiga-se de um gangue de profanadores de túmulos para reformular a pergunta: que estamos nós a fazer com o passado? “Os crimes dos tombaroli são reflexo de uma perda de fé, o dinheiro passou a ocupar o lugar do sagrado”, disse-nos em Cannes, em 2023. “E há muito de contemporâneo neste gesto em que, da História, só retiramos um valor económico imediato. É o nosso presente”