“Fogo-Fátuo” é uma máquina de matar preconceitos raciais e sexuais, não foi à toa que já se escreveu que, por isso mesmo, resultou num tremendo filme político. Como tremendo filme político que é, não dispensa uma relação com o tempo, com a História e, em particular, com uma malfadada realidade portuguesa em que, tal como no fado do ‘Embuçado’ (a que Paulo Bragança dá uma nova versão), os mascarados se escondem, trocando o que são por aquilo que aparentam ser.
À sua sexta longa-metragem chamou João Pedro Rodrigues uma “fantasia musical”. É um filme pirómano e pronto a despir, denso como uma rocha incandescente. A sua poética erótica responde incondicionalmente ao desejo e à vontade dos corpos, elevando-os. Está rodeado de incêndios futuros e passados que convergem em força para os dias de hoje. Incêndios que, quer a nível literal quer alegórico, passam pelo conflito monárquico-republicano, pelo passado imperialista e colonial português assim como pela crise climática e os anos da pandemia em que o filme se fez. E se nenhum destes assuntos se esgota num primeiro olhar, nenhum é abordado sem ironia.