A confusão gerada em volta das declarações de Joe Berardo na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à CGD, na semana passada, não foi somente um momento humorístico e de irresponsabilidade civil. Segundo o “Público” esta quarta-feira, o investidor madeirense não estaria a mentir (pelo menos, na totalidade) quando disse que “não tinha nada” em seu nome e que as dívidas aos bancos não eram suas, pois foram contraídas, entre 2006 e 2008, pela Metalgest (a sua sociedade familiar) e pela ACB.
O matutino revela que Berardo quebrou os compromissos assumidos com a Banca - Caixa Geral de Depósitos, BCP e Novo Banco - e movimentou-se nos bastidores para os afastar do acesso e do controlo da única garantia com valor que receberam do investidor: o acervo de arte moderna parqueado no Centro Cultural de Belém e detido pela Associação Colecção Berardo (ACB).
À revelia e sem conhecimento dos três bancos, Berardo realizou uma assembleia-geral na ACB que lhes restringiu os direitos e aprovou um aumento de capital que diluiu a sua posição de credores. Os bancos que emprestaram quase mil milhões de euros a Berardo só se aperceberam desta situação em 2016.
De acordo com o “Público”, os bancos chefiados por Paulo Macedo (CGD), por Miguel Maya (BCP) e por António Ramalho (Novo Banco) consideram ser agora claro: Berardo “dobrou” os estatutos da ACB com o propósito de os afastar do único colateral de valor, ou seja, das obras de arte da Coleção Berardo que receberam.
Um “golpe de Estado”
Em 2013, um cidadão anónimo de Palmela, a zona onde Joe Berardo tem residência, requereu junto do Tribunal a declaração de nulidade de um conjunto de normas dos estatutos da ACB acordados em 2008. A iniciativa visava eliminar os direitos estatutários da banca. Nesta altura, os bancos não tiveram conhecimento do que se estava a passar.
Segundo os registos consultados pelo jornal, o advogado de Berardo, André Luís Gomes, tentou travar a impugnação em nome da ACB, mas sem sucesso. O pedido de nulidade feito pelo cidadão anónimo manteve-se vivo.
Neste ponto em particular, há um detalhe que não abona a favor de Berardo: Gonçalo Moreira Rato, o advogado do cidadão anónimo que contestou os direitos dos bancos, é familiar de André Luís Gomes.
A 8 de março de 2016, o Tribunal da Comarca de Lisboa, atende ao pedido de cidadão anónimo e, por sentença, declara nulos os direitos dos credores negociados em 2008. As consequências são duas: o mecanismo de proteção da Caixa, BCP e Novo Banco é restringido; e o investidor madeirense ganha autonomia para alterar as regras da ACB sem depender da sua opinião.
Cerca de dois meses depois, a 6 de maio de 2016, com a sentença do tribunal na mão, Berardo reuniu a AG e modificou os estatutos com reforço das competências da administração da ACB, por si liderada, e com perda de direitos das três instituições financeiras.