Revista de imprensa

“Um inquietante regresso ao passado” e a “rejeição massiva da política do costume” - A vitória de Bolsonaro nos media internacionais

A vitória do “capitão nostálgico da ditadura” inaugura uma nova era de incerteza no Brasil e no mundo. É assim que a imprensa estrangeira analisa a vitória do candidato da extrema direita brasileira, que se junta a outros líderes populistas como Donald Trump, nos EUA, e Matteo Salvini, em Itália

STRINGER

Um tiro no escuro, uma ameaça aos direitos fundamentais, um regresso ao passado – são algumas das considerações feitas pela imprensa internacional sobre a vitória de Jair Bolsonaro este domingo nas eleições do Brasil.

O jornal francês “Le Monde” dedica esta segunda-feira o seu editorial à eleição do candidato da extrema-direita que conquistou 55,13% dos votos na segunda volta contra 44,87% de Fernando Haddad. Sob o título “Brasil: um inquietante regresso ao passado”, o editorial aborda a vitória de Bolsonaro, um “nostálgico da ditadura”, que se junta à lista de outros líderes populistas no mundo como Donald Trump, nos EUA, e Matteo Salvini, em Itália.

Após 13 anos sob a liderança do Partido Trabalhista (PT), o Brasil vira agora uma página da sua história com a vitória de um Presidente “racista, sexista, homófobico e defensor da tortura”, escreve o jornal francês, frisando que Bolsonaro – já apelidado de “Trump tropical”– torna-se num dos líderes mais extremistas da América Latina. “Esta dinâmica perigosa irá traduzir-se rapidamente em consequências concretas para o Brasil”, acrescenta o jornal.

O temido desmatamento da Amazónia

Salientando as posições comuns da diplomacia norte-americana sobre Israel e a Venezuela, o jornal “Le Monde” critica ainda a ameaça feita por Bolsonaro, durante a campanha, de sair do Acordo de Paris e de avançar com o desmatamento da Amazónia. “Para o Brasil, a Amazónia é o planeta, por isso, isto é um retorno preocupante ao passado”, conclui o diário francês.

Também o jornal “Le Figaro” destaca a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, após uma “campanha surrealista marcada por violência” e “escândalos de corrupção que envolveram o ex-Presidente Lula da Silva”.

Este jornal francês sustenta ainda que a conjuntura económica beneficiou o seu favoritismo, após mais de uma década das políticas do PT. “O gigante sul-americano, que esta noite elegeu o candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro, é afetado por uma quebra no crescimento económico e uma degradação rápida das finanças públicas”, refere “Le Figaro”, que alerta para uma série de desafios cruciais para o novo líder do Brasil.

“Rejeição massiva da política do costume”

“A extrema-direita conquistou o Brasil”, titula por sua vez “The Guardian”, num artigo que destaca a viragem do país à extrema-direita. Noutro texto assinado pelo editor de internacional, Simon Tisdall escreve que a vitória de Bolsonaro reflete a rejeição das políticas petistas e a preferência dos eleitores por um “outsider político” ou um “disruptor dissidente que desafia o 'status quo'”. “Não era mais uma questão de esquerda ou de direita, mas uma rejeição massiva da política do costume”, defende o jornalista.

Segundo Simon Tisdall, a corrupção, a insegurança e a crise económica conduziram ao cansaço dos eleitores face à atual política, o que fez ignorar o tom e o teor das promessas eleitorais do candidato da extrema-direita. “A campanha de extrema-direita de Jair Bolsonaro pela presidência do Brasil chocou os observadores externos, que questionaram como um candidato com tais visões extremistas poderia liderar com um amplo apoio popular. Mas os eleitores do Brasil parecem ter seguido uma tendência evidente nas democracias em dificuldades à volta do mundo, trocando as políticas de esperança por 'anti-política' – a política de raiva, rejeição e desespero”, remata o editor do “Guardian.”

The New York Times” defende, por seu turno, que Jair Bolsonaro “transformou a crise numa oportunidade”, conquistando o eleitorado cansado com os casos de corrupção que envolvem o PT, a crescente insegurança e o elevado desemprego que regista o país. “A habilidade de transformar contratempos em oportunidades tem sido uma constante para Bolsonaro, o populista de extrema-direita que venceu as eleições de domingo para se tornar o próximo Presidente do Brasil, ultrapassando os partidos políticos e normas que governam o Brasil desde o fim do regime militar há 30 anos”, refere a edição online do jornal norte-americano.

Ainda antes do ataque com a faca durante a campanha, Bolsonaro já começava a parecer um “fenómeno indomável” na política brasileira, “fazendo campanhas de raiva contra a corrupção e a violência que correspondiam amplamente ao humor nacional”, observa o NYT.

A vitória do “capitão nostálgico da ditadura”

Bolsonaro vence após uma “campanha dura”, escreve o “Washington Post” que sublinha que as posições do recém-eleito Presidente brasileiro pareciam “demasiado tóxicas” para a maioria dos brasileiros, mas que nos últimos tempos e ao contrário do que aconteceu com as eleições norte-americanas, a sua vitória já não parecia uma surpresa.

Em Espanha, o jornal “El País” realça o triunfo do “capitão nostálgico da ditadura” que fez questão de deixar sempre claro que queria inaugurar uma nova era no Brasil, após vários anos sob a liderança do Partido dos Trabalhadores. Segundo este diário espanhol, a vitória de Bolsonaro surge na sequência de uma “campanha marcada por tensão, desinformação nas redes sociais e sobretudo pelas suas atitudes antidemocráticas”.

“As suas ameaças e retórica levam o maior país da América Latina à incerteza e reforçam a ascensão da extrema-direita em todo o Ocidente”, afirma o jornal “El País.”

O diário “El Mundo” salienta igualmente a vitória de Bolsonaro, o “capitão do populismo brasileiro” que se apresentou como o candidato antipetista, que prometeu acabar com as políticas do PT, que se “propagaram como uma peste na sociedade brasileira”, destacando a Operação Lava Jato.

Bolsonaro enfrentará “enormes desafios”

Este jornal espanhol realça ainda a reação do primeiro-ministro Pedro Sánchez que alertou para os “enormes desafios” que enfrentará o Presidente brasileiro, garantindo também que “poderá contar sempre com Espanha para conseguir uma América Latina com mais igualdade e justiça”.

O jornal alemão “Die Welt” refere que Bolsonaro é considerado um “racista, xenófobo e sexista”, mas ainda assim venceu a eleição presidencial no maior país da América Latina. “Os brasileiros querem acabar com a corrupção e a violência – os ex-militares oferecem soluções simples”, escreve o diário germânico.

Reconhecendo as grandes divisões originadas por esta eleição, o “Die Welt” antecipa que a tensão social poderá aumentar nos próximos tempos face aos tempos de incerteza, pelo menos para alguns. “Alguns temem a presidência de Bolsonaro, outros dão esperança de um novo começo”, refere o jornal, frisando que o recém-eleito Presidente do Brasil prometeu contudo defender a Constituição do país, a democracia e a liberdade, no seu discurso de vitória.