Dezasseis meses depois do trambolhão eleitoral do PAN – com a perda do grupo parlamentar e o início de uma crise interna, com saídas e polémicas – o partido volta a discutir este sábado a sua liderança e orientação estratégica para os próximos dois anos. Em cima da mesa estarão também propostas de alteração aos estatutos, após o Tribunal Constitucional (TC) ter rejeitado os estatutos aprovados em 2021.
No IX Congresso, em Matosinhos, o ex-deputado e ex-membro da Comissão Política Nacional (CPN), Nelson Silva, desafia a atual porta-voz e deputada, Inês de Sousa Real, na corrida à liderança. Uma eleição com vitória pré-anunciada, uma vez que Sousa Real conta com mais de 70% dos delegados à reunião magna. Contudo, é quase certo que vão voltar a integrar a mesma direção, uma vez que os membros da CPN são eleitos em função da proporcionalidade dos resultados eleitorais das listas concorrentes.
Mas o que distingue os candidatos? Os dois partilham (quase) as mesmas causas e objetivos, mas dividem-se quanto às prioridades e organização interna. Se a lista de Sousa Real é de continuidade, a de Nelson Silva é de rutura, como se percebe na sua moção de estratégia global e proposta de alteração de estatutos.
Apoiado pela corrente interna "Mais PAN, Agir para Renovar", Nelson Silva defende que o partido deve continuar a manter o animalismo e o ambientalismo como bandeiras, mas sem descurar outras áreas: como a justiça social e fiscal, o combate à corrupção e a defesa da transparência. Essa é, aliás, uma das principais críticas à proposta rival, que se foca demasiado na causa animal, já Sousa Real acusa o adversário de querer desviar o partido do seu ADN.
Nelson Silva quer recuperação “eleitoral” e “reputacional”
Preparar o PAN para a “recuperação eleitoral” e “reputacional” é a missão da lista B, que não poupa críticas à atual liderança, acusando o partido de estar “politicamente anémico”. As metas a curto e médio prazo são eleger um deputado na Assembleia Regional da Madeira, já no final do verão e renovar a eleição de um deputado europeu no próximo ano. “Infelizmente, desde o discurso de encerramento do 8.º Congresso (6 de junho de 2021), onde se proclamou que o PAN queria ser Governo, verificou-se uma ausência de visão, estratégia e inteligência política que, por enquanto, teve como resultado o desaire eleitoral autárquico de 2021 e legislativo de 2022”, pode ler-se na moção.
O balanço? É um “desastre”. Apontando a perda da bancada na Assembleia da República (AR), sublinham que o partido esteve à beira de perder a representação parlamentar, fruto de “desacertos” e “incoerências” da estrutura dirigente. E acusam Sousa Real de estar “agarrada ao poder”. No que toca à ação política, lamentam a “pouca exigência" do PAN perante o Governo nas negociações do Orçamento do Estado (OE), que resultaram em apenas “pequenos ganhos de causa”. Para a lista de Nelson Silva, o PAN é assim, hoje um partido “sem rumo” e “estratégia política”, incapaz de atrair eleitorado jovem, fundamental para o seu crescimento. Em alternativa, sugerem que o partido deve apostar, sobretudo, em ações junto de instituições de Ensino Superior, “terreno fértil” em temas que são preocupações destes eleitores, como emergência climática, emprego e Habitação.
A nível interno, acusam o partido de manter uma estrutura organizativa “bastante centralizada” entre poucos membros da CPN, e de “estreitamento democrático”, afastando membros. É por isso que propõem, na sua proposta de alteração aos estatutos, tornar o Congresso aberto a todos os membros, com quotas pagas, à semelhança do que acontece na maioria dos partidos verdes europeus; eleger a CPN por sufrágio universal e direto, e dar mais poder ao Congresso, que deverá passar a ratificar os programas eleitorais das legislativas e das europeias.
Além disso, defendem separação de poderes para que a direção "não fique com demasiado poder centralizado nela própria", assim como a criação do Conselho Nacional, do Conselho de Fiscalização Financeira e do Conselho Disciplinar.
Por outro lado, propõem que o partido tenha dois porta-vozes (um homem e uma mulher) – como já teve o Bloco –, eleitos “até 45 dias após a realização do Congresso”, assim como a redução para 10% do número de assinaturas necessárias para a convocação de um Congresso Extraordinário, depois desta corrente interna ter falhado, no ano passado, o objetivo de angariar 20% de assinaturas para a convocação de um Congresso Extraordinário Eletivo, após o desaire nas legislativas.
Sousa Real garante “compromisso com génese do PAN”
Já a lista de Sousa Real rejeita as críticas de “asfixia democrática interna”, apontando para o processo de auscultação das bases após as legislativas. E lamenta atitudes que “afetaram a imagem do PAN", referindo-se aos críticos e à saída de 10 membros da CPN, em fevereiro do ano passado. Na moção sob o título: “As causas que nos unem”, a recandidata a porta-voz admite que o resultado das legislativas não correspondeu às expectativas e mantém a narrativa de que o partido foi penalizado pelo medo de a direita regressar ao poder.
"A nível da estrutura partidária do PAN assistimos a comportamentos que ultrapassaram a esfera interna, afetaram a coesão interna e com prejuízo para a imagem do PAN. Decidimos aproveitar o rescaldo de um cenário eleitoral negativo para ir até aos filiados e filiadas para ouvir diretamente
quem desejou fazê-lo, como nunca tinha sido feito. Fomos até às pessoas, aos territórios, aos problemas e aos caminhos para os resolver. Mas ainda há tanto para fazer", pode ler-se na moção da lista A, que tem como mandatária, a ex-deputada Bebiana Cunha.
Em resposta à lista adversária que acusa as conquistas do PAN de serem “migalhas”, Sousa Real diz que o PAN foi o partido da oposição com mais medidas aprovadas, nomeadamente no OE. E dá como exemplo o o aumento de dois para 13 milhões de euros anuais para a área da proteção
animal; a Lei de Bases do Clima; a taxa de carbono para a aviação e cruzeiros comerciais ou mais recentemente a inclusão de iogurtes e bebidas vegetais na lista de bens essenciais com IVA zero.
“Dos compromissos com os três pilares do PAN, destacamos os temas-farol que distinguem o PAN dos outros partidos que, sendo diferenciadores, temos de os elevar bem alto enquanto bandeiras: o compromisso com a génese do PAN: a proteção animal; o clima estável e a alimentação ética; uma só saúde; democracia e Europa; jovens PAN 4.0; ecocentrismo e ecologia”, explica.
Os desafios eleitorais, admite, são maiores e estão em linha com a lista concorrente: eleger um deputado regional na Madeira e recuperar o lugar perdido no Parlamento Europeu, com a saída de Francisco Guerreiro do partido. Neste último objetivo, admite que a adesão aos Greens Europeus e o alargamento da ligação do PAN a partidos ecologistas e animalistas europeus pode ajudar o partido.
“É preciso recuperar os votos que já foram do PAN e que migraram para outros partidos, como para o Partido Socialista, para o Iniciativa Liberal, o PSD e trabalhar para captar as pessoas que têm um voto ao centro”, pode ler-se ainda na moção.
A nível dos estatutos, a lista A propõe a criação de um Conselho Consultivo para o partido, que inclua fundadores; a formalização da Juventude PAN (que ficou adiada com o chumbo dos estatutos aprovados em 2021 pelo TC) e a criação do Conselho de Ética. Para envolver mais membros nas decisões internas, propõe que as distritais passem a ter representação na CPN e um “núcleo da emigração e comunidades portuguesas fora de Portugal”.
A proposta mais polémica é, contudo, o aumento de dois para três anos dos mandatos dos órgãos internos, o que leva os opositores a acusarem Sousa Real de se querer “perpetuar no poder” e “centralizar ainda mais” as decisões. Com a reeleição garantida, resta saber se Sousa Real será capaz de garantir a pacificação interna e recuperar eleitorado nas próximas eleições.