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Congresso do PAN: dois candidatos com (quase) as mesmas causas, mas prioridades e gestões diferentes

PAN escolhe este sábado o líder para os próximos dois anos. Inês de Sousa Real e Nelson Silva partilham a mesma linha ideológica e objetivos, mas dividem-se quanto às prioridades e organização interna. Se um candidato é de continuidade, o outro é de ruptura, como demonstram as moções de estratégia global e propostas de alteração de estatutos

Líder do PAN, Inês de Sousa Real no comício de encerramento da campanha eleitoral para as eleições legislativas 2022
Foto Nuno Fox

Dezasseis meses depois do trambolhão eleitoral do PAN – com a perda do grupo parlamentar e o início de uma crise interna, com saídas e polémicas – o partido volta a discutir este sábado a sua liderança e orientação estratégica para os próximos dois anos. Em cima da mesa estarão também propostas de alteração aos estatutos, após o Tribunal Constitucional (TC) ter rejeitado os estatutos aprovados em 2021.

No IX Congresso, em Matosinhos, o ex-deputado e ex-membro da Comissão Política Nacional (CPN), Nelson Silva, desafia a atual porta-voz e deputada, Inês de Sousa Real, na corrida à liderança. Uma eleição com vitória pré-anunciada, uma vez que Sousa Real conta com mais de 70% dos delegados à reunião magna. Contudo, é quase certo que vão voltar a integrar a mesma direção, uma vez que os membros da CPN são eleitos em função da proporcionalidade dos resultados eleitorais das listas concorrentes.

Mas o que distingue os candidatos? Os dois partilham (quase) as mesmas causas e objetivos, mas dividem-se quanto às prioridades e organização interna. Se a lista de Sousa Real é de continuidade, a de Nelson Silva é de rutura, como se percebe na sua moção de estratégia global e proposta de alteração de estatutos.

Apoiado pela corrente interna "Mais PAN, Agir para Renovar", Nelson Silva defende que o partido deve continuar a manter o animalismo e o ambientalismo como bandeiras, mas sem descurar outras áreas: como a justiça social e fiscal, o combate à corrupção e a defesa da transparência. Essa é, aliás, uma das principais críticas à proposta rival, que se foca demasiado na causa animal, já Sousa Real acusa o adversário de querer desviar o partido do seu ADN.

JOAO CARLOS SANTOS

Nelson Silva quer recuperação “eleitoral” e “reputacional”

Preparar o PAN para a “recuperação eleitoral” e “reputacional” é a missão da lista B, que não poupa críticas à atual liderança, acusando o partido de estar “politicamente anémico”. As metas a curto e médio prazo são eleger um deputado na Assembleia Regional da Madeira, já no final do verão e renovar a eleição de um deputado europeu no próximo ano. “Infelizmente, desde o discurso de encerramento do 8.º Congresso (6 de junho de 2021), onde se proclamou que o PAN queria ser Governo, verificou-se uma ausência de visão, estratégia e inteligência política que, por enquanto, teve como resultado o desaire eleitoral autárquico de 2021 e legislativo de 2022”, pode ler-se na moção.

O balanço? É um “desastre”. Apontando a perda da bancada na Assembleia da República (AR), sublinham que o partido esteve à beira de perder a representação parlamentar, fruto de “desacertos” e “incoerências” da estrutura dirigente. E acusam Sousa Real de estar “agarrada ao poder”. No que toca à ação política, lamentam a “pouca exigência" do PAN perante o Governo nas negociações do Orçamento do Estado (OE), que resultaram em apenas “pequenos ganhos de causa”. Para a lista de Nelson Silva, o PAN é assim, hoje um partido “sem rumo” e “estratégia política”, incapaz de atrair eleitorado jovem, fundamental para o seu crescimento. Em alternativa, sugerem que o partido deve apostar, sobretudo, em ações junto de instituições de Ensino Superior, “terreno fértil” em temas que são preocupações destes eleitores, como emergência climática, emprego e Habitação.

A nível interno, acusam o partido de manter uma estrutura organizativa “bastante centralizada” entre poucos membros da CPN, e de “estreitamento democrático”, afastando membros. É por isso que propõem, na sua proposta de alteração aos estatutos, tornar o Congresso aberto a todos os membros, com quotas pagas, à semelhança do que acontece na maioria dos partidos verdes europeus; eleger a CPN por sufrágio universal e direto, e dar mais poder ao Congresso, que deverá passar a ratificar os programas eleitorais das legislativas e das europeias.

Além disso, defendem separação de poderes para que a direção "não fique com demasiado poder centralizado nela própria", assim como a criação do Conselho Nacional, do Conselho de Fiscalização Financeira e do Conselho Disciplinar.

Por outro lado, propõem que o partido tenha dois porta-vozes (um homem e uma mulher) – como já teve o Bloco –, eleitos “até 45 dias após a realização do Congresso”, assim como a redução para 10% do número de assinaturas necessárias para a convocação de um Congresso Extraordinário, depois desta corrente interna ter falhado, no ano passado, o objetivo de angariar 20% de assinaturas para a convocação de um Congresso Extraordinário Eletivo, após o desaire nas legislativas.

Sousa Real garante “compromisso com génese do PAN”

Já a lista de Sousa Real rejeita as críticas de “asfixia democrática interna”, apontando para o processo de auscultação das bases após as legislativas. E lamenta atitudes que “afetaram a imagem do PAN", referindo-se aos críticos e à saída de 10 membros da CPN, em fevereiro do ano passado. Na moção sob o título: “As causas que nos unem”, a recandidata a porta-voz admite que o resultado das legislativas não correspondeu às expectativas e mantém a narrativa de que o partido foi penalizado pelo medo de a direita regressar ao poder.

"A nível da estrutura partidária do PAN assistimos a comportamentos que ultrapassaram a esfera interna, afetaram a coesão interna e com prejuízo para a imagem do PAN. Decidimos aproveitar o rescaldo de um cenário eleitoral negativo para ir até aos filiados e filiadas para ouvir diretamente
quem desejou fazê-lo, como nunca tinha sido feito. Fomos até às pessoas, aos territórios, aos problemas e aos caminhos para os resolver. Mas ainda há tanto para fazer", pode ler-se na moção da lista A, que tem como mandatária, a ex-deputada Bebiana Cunha.

Em resposta à lista adversária que acusa as conquistas do PAN de serem “migalhas”, Sousa Real diz que o PAN foi o partido da oposição com mais medidas aprovadas, nomeadamente no OE. E dá como exemplo o o aumento de dois para 13 milhões de euros anuais para a área da proteção
animal; a Lei de Bases do Clima; a taxa de carbono para a aviação e cruzeiros comerciais ou mais recentemente a inclusão de iogurtes e bebidas vegetais na lista de bens essenciais com IVA zero.

“Dos compromissos com os três pilares do PAN, destacamos os temas-farol que distinguem o PAN dos outros partidos que, sendo diferenciadores, temos de os elevar bem alto enquanto bandeiras: o compromisso com a génese do PAN: a proteção animal; o clima estável e a alimentação ética; uma só saúde; democracia e Europa; jovens PAN 4.0; ecocentrismo e ecologia”, explica.

Os desafios eleitorais, admite, são maiores e estão em linha com a lista concorrente: eleger um deputado regional na Madeira e recuperar o lugar perdido no Parlamento Europeu, com a saída de Francisco Guerreiro do partido. Neste último objetivo, admite que a adesão aos Greens Europeus e o alargamento da ligação do PAN a partidos ecologistas e animalistas europeus pode ajudar o partido.

“É preciso recuperar os votos que já foram do PAN e que migraram para outros partidos, como para o Partido Socialista, para o Iniciativa Liberal, o PSD e trabalhar para captar as pessoas que têm um voto ao centro”, pode ler-se ainda na moção.

A nível dos estatutos, a lista A propõe a criação de um Conselho Consultivo para o partido, que inclua fundadores; a formalização da Juventude PAN (que ficou adiada com o chumbo dos estatutos aprovados em 2021 pelo TC) e a criação do Conselho de Ética. Para envolver mais membros nas decisões internas, propõe que as distritais passem a ter representação na CPN e um “núcleo da emigração e comunidades portuguesas fora de Portugal”.

A proposta mais polémica é, contudo, o aumento de dois para três anos dos mandatos dos órgãos internos, o que leva os opositores a acusarem Sousa Real de se querer “perpetuar no poder” e “centralizar ainda mais” as decisões. Com a reeleição garantida, resta saber se Sousa Real será capaz de garantir a pacificação interna e recuperar eleitorado nas próximas eleições.