Governo

"Sem diálogo” e com “falta de ambição”: programa de Governo não convence direita nem esquerda e Bloco apresenta moção

No dia em que o Governo apresentou o seu programa para os próximos quatro anos, os partidos não pouparam nas críticas. Apesar de António Leitão Amaro ter classificado como “programa de diálogo”, tanto a direita como a esquerda consideraram o documento “insuficiente”. Bloco e PCP vão avançar com uma moção de rejeição cada um

ANTÓNIO COTRIM

Pela hora de almoço o Governo apresentava o seu programa com a surpresa de incluir 60 medidas propostas por outros partidos. O “todos, todos, todos” de Montenegro foi ao ponto de incluir medidas de todos os partidos com assento parlamentar. Mas, ao longo da tarde, todos, todos, quase todos (faltou o PS) foram reagindo num tom maioritariamente crítico. Apesar de o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, ter classificado o documento como um “programa de diálogo”, da direita à esquerda repetiram-se as críticas de “insuficiência” ou de “falta de ambição”. Até a inclusão das medidas dos restantes partidos foi alvo de reparos por ter sido feito de forma “avulsa” e sem “diálogo” com os partidos respetivos.

Ainda antes de o documento começar a ser discutido no Parlamento, esta quinta e sexta-feira, a AD sabe que terá de enfrentar duas moções de rejeição ao seu programa: uma do PCP e outra do Bloco de Esquerda. Contudo, nenhuma das duas terá voto favorável do PS, pelo que a única consequência prática será mostrar a falta de união à esquerda.

Bloco: moção de rejeição contra programa que “quer governar para alguns”

Depois de uma “leitura bastante completa” do programa da AD, a líder do Bloco de esquerda (BE), Mariana Mortágua anunciou que o seu partido, que nunca tinha chegado a dizer como iria votar a moção do PCP, também apresenta uma moção de rejeição. Para o BE, este programa favorece as “elites financeiras” em detrimento das pessoas. "Este programa faz escolha clara sobre quem quer proteger", atirou. O primeiro exemplo utilizado foi a proposta da AD para o aumento do salário mínimo (para mil euros até 2028) que poderá “evoluir de acordo com produtividade de inflação” e, por isso, a líder bloquista declarou que não representa "qualquer compromisso". Pelo contrário, na medida que prevê a descida do IRC "não há qualquer condicionante", mas sim uma "promessa" do Governo. "Quem vai deixar de pagar? A banca, a EDP, a Galp, as grandes empresas", acrescentou. Outro exemplo utilizado por Mariana Mortágua foi a derrama municipal, um acréscimo de imposto para “lucros milionários”, que a AD pretende eliminar.

Resumindo, este documento representa uma "brutal transferência de dinheiro de quem trabalha para setores muito específicos e grandes empresas". "Não se trata só de um programa que não resolve problemas dos salários, da saúde, da habitação, como é um programa que promove transferência de riqueza para poucos que já têm tantos e que vão passar a ter mais", acrescentou. Por isso mesmo, o Bloco de Esquerda irá apresentar uma moção de rejeição ao programa de Governo da AD – apesar do PCP já ter apresentado uma. Questionada pelos jornalistas sobre a razão para o Bloco não se juntar apenas à moção apresentada pelos comunistas, Mariana Mortágua respondeu apenas que o seu partido faz "a sua própria leitura".

Para terminar, a líder bloquista desvalorizou as propostas que a AD afirmou ter incluído no programa de Governo dos restantes partidos com assento parlamentar. “Este é um programa da direta, decalcado pelos grandes patrões. Quando olhamos para os salários, as carreiras, os serviços públicos não há nada quantificado, esclarecido, contabilizado”.

Chega: programa “vago”, “pouco claro” e “pouco ambicioso”

Apesar de o programa de Governo da AD também contemplar medidas do Chega, André Ventura considerou este documento “vago e pouco ambicioso”, em especial no “cumprimento de metas e objetivos” que foram prometidos durante a campanha eleitoral de Luís Montenegro. “É um programa pouco claro, pouco ambicioso e que deixa no ar uma ideia de incapacidade de resposta daquilo que tinha sido prometido durante as eleições”, atirou.

Um dos exemplos que o líder do Chega destacou foi a valorização das carreiras dos oficias de justiça que não está a ser “acompanhada no prazo necessário” - no programa de Governo da AD está previsto um processo de dignificação das carreiras e profissionais das forças de segurança com “caráter prioritário”, mas sem datas nem valores concretos . “Faltava um sinal de cumprimento real, imediato ou uma calendarização, assim não fica muito diferente do programa eleitoral”, atirou. Também quanto às restantes carreiras da Administração Pública, incluindo os professores, André Ventura considerou que o documento entregue por Pedro Duarte ficou “aquém do prometido”.

Na continuação do piscar de olho ao seu eleitorado, o líder do Chega deixou ainda uma palavra àquilo que chamou de “baixa função pública” em termos remuneratórios como “técnicos, auxiliares ou seguranças”. “Quase não há palavras para estas pessoas que contribuíram para que a mudança à direita acontecesse”, acrescentou.

Embora o tema fosse o programa de Governo, André Ventura aproveitou a atenção mediática para anunciar que irá avançar com um requerimento potestativo para avançar com a comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas - para acionar este direito é necessário um mínimo de 46 deputados, o Chega tem 50. André Ventura tomou essa decisão depois do PSD lhe confirmar que não iria dar luz verde à proposta. "Fui informado que o PSD não acamparia, o que nos causa alguma desilusão e estupefação", atirou.

Iniciativa Liberal: programa do Governo é "insuficiente" para necessidades do país

Um programa de Governo “insuficiente” para as necessidades do país e que deveria ter mais “ambição”, nomeadamente a nível fiscal e da Saúde, foi esta a avaliação que a Iniciativa Liberal (IL) fez do documento entregue esta quarta-feira no Parlamento pelo Ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte. “É um programa que é insuficiente para as transformações urgentes de que o país precisa e, portanto, fica aquém das necessidades do país e daquilo de que os portugueses precisam”, afirmou Mariana Leitão, na primeira reação ao documento a partir da Assembleia da República.

Numa “análise preliminar” a líder da bancada parlamentar dos liberais identificou a falta de reformas estruturais que o seu partido considerava indispensáveis fazerem parte do documento. “Não se vê uma reforma estrutural na Saúde, mais uma vez, só recorre aos sectores privados e social quando o SNS falha, quando não dá resposta ao que os portugueses precisam”, criticou, insistindo na liberdade de escolha no sector, uma das bandeiras defendidas pelo partido. Em relação ao salário médio, Mariana Leitão frisou que face ao aumento esperado e à inflação, o salário médio cresce também de forma “muito insuficiente” e não servirá assim para “contrariar” a emigração jovem. A nível do IRS, lamentou ainda que quem aufere um salário médio, de 1000 ou 1500 euros, só deverá ter uma redução na ordem dos “cinco ou seis euros” por mês.

“A IL é muito mais ambiciosa e vai insistir em muitas medidas que acreditamos que resolvem parte destes problemas”, sumarizou. Apesar de existir “convergência” num ponto ou noutro, Mariana Leitão deixou claro que o PSD e a IL divergem em questões essenciais, a nível fiscal ou na Saúde, reafirmando os motivos que levaram os dois partidos a não alcançarem um acordo pós-eleitoral.

PCP: inclusão de medidas de outros partidos no programa da AD é um "logro"

Paula Santos considerou que o programa de Governo da AD "não constitui qualquer surpresa" já que pretende prosseguir com a "política de direita" que está na "origem dos problemas que afetam a vida das pessoas". Assim sendo, a líder parlamentar comunista declarou a "justeza" da opção do PCP em apresentar a moção de rejeição do programa do Governo que irá ser entregue esta quarta-feira no Parlamento – e que foi anunciada pelo partido logo após ser conhecido a vitória da AD nas eleições de março.

Sobre a inclusão de proposta do PCP, Paula Santos considerou um "logro" já que deixa de fora a "dimensão, amplitude e abrangência com que o PCP propôs medidas concretas para valorizar o setor das pescas". Segundo a líder parlamentar, esta decisão dos sociais-democratas não representa "qualquer aproximação" ao PCP.

Para os comunistas, este programa representa um "retrocesso" que insiste na "transferência de serviços públicos para o negócio dos privados" e no "favorecimento dos grupos económicos" visível na redução do IRC que apenas beneficia as "grandes empresas". "É um programa negativo por aquilo que inclui e por aquilo que omite", atirou. A líder parlamentar comunista denunciou ainda a falta de "medidas efetivas" para reduzir a precariedade ou para remover as normas gravosas da lei laboral.

Livre: inclusão "sem diálogo" de "medidas avulsas" de outros partidos

“Recebemos há cerca de três horas o programa, estamos ainda a fazer análise, mas é naturalmente um programa de Governo de direita, o que é perfeitamente legítimo, mas reforça a ideia de que o Livre será oposição”, começou por sinalizar Isabel Mendes Lopes, em reação ao documento entregue esta quarta-feira.

Na apresentação do programa de Governo da AD, António Leitão Amaro destacou a inclusão de 60 medidas de outros partidos como um sinal de “diálogo” dos sociais-democratas. Contudo, o Livre discordou que esta decisão seja um sinónimo de diálogo já que decorreu à margem de qualquer conversação com os partidos em causa. “A inclusão de medidas avulsas de programas eleitorais de outros partidos parece-nos curiosa, mas foi feita sem diálogo com os partidos. O diálogo faz-se dialogando”, atirou a líder parlamentar do Livre.

Isabel Mendes Lopes reiterou ainda que o Livre está disponível para dialogar com o Governo sobre temas como a criação de um círculo de compensação e o reforço do combate à corrupção. “O Governo nesta situação terá que dialogar, caso contrário, se tentar esquivar-se ao escrutínio parlamentar, o Livre procurará outras forças para trazer à AR a discussão de decretos de lei que o Governo produza e com as quais não nos sintamos confortáveis ou que ponham em causa direitos”, advertiu.

PAN: programa de Governo “não pode ser monólogo”

A partir de uma “análise preliminar”, Inês Sousa Real considerou que o programa do Governo da AD não traduz compromissos e bandeiras eleitorais do partido social-democrata e deverá resultar no adiar dos problemas dos portugueses.

Tal como o Livre, também a deputada única criticou a forma como o partido de Governo incluiu medidas dos restantes partidos sem diálogo prévio. “O programa inclui 60 medidas de outros partidos, mas não pode ser monólogo, mas um diálogo. Não podemos ter aproveitamento assim das medidas de outros partidos”, atirou.

A porta-voz do PAN criticou ainda a "falta de ambição" da AD em matéria climática, a nível da agricultura e da proteção animal. E voltou a apontar o dedo à visão “conservadora” dos sociais-democratas que colocam o problema da natalidade focado nas mulheres em vez de nas famílias. Estes e outros argumentos deverão ser levados a plenário durante a discussão do Programa do Governo, numa larga maratona esta quinta e sexta-feira no Parlamento.