Governo

António Costa: “Para que o Estado funcione bem, cada um deve estar no seu próprio galho”

O primeiro-ministro comentou, pela primeira vez, o veto de Marcelo ao pacote de habitação. António Costa repetiu que é “normal” e “saudável” que o presidente da República tenha uma “opinião distinta” do Governo. Contudo, lembrou que é preciso “respeitar” e “não confundir” as “competências uns dos outros”

RUI MINDERICO

Depois do silêncio das últimas semanas – em parte justificado por umas férias mais resguardadas que as de Marcelo –, o primeiro-ministro aproveitou a visita a uma creche no Montijo para comentar, pela primeira vez, o veto de Marcelo ao pacote de habitação. “O Presidente da República ter uma opinião distinta de quem tem maioria na Assembleia da República (AR) é normal, é o normal funcionamento das instituições democráticas”, respondeu.

A decisão do Governo de avançar com o diploma duramente criticado por Marcelo não é visto por António Costa como uma afronta ou como uma cisão entre palácios. “O próprio PR esclareceu na sua mensagem que a AR é livre e soberana de fazer o que, nos termos da Constituição, pode fazer”. Ao aviso lançado por Marcelo de que o Mais Habitação “não é um caso encerrado”, o primeiro-ministro atacou de volta. “A função de um primeiro-ministro não é ser comentador, é ser fazedor, é executar. A outros compete falar sobre os problemas. Cada um tem o seu papel e nenhum é mais importante que o outro, agora quando nos confundimos nos papeis é que as coisas podem correr mal”. E ainda acrescentou: “Para que o Estado funcione bem, cada um deve estar no seu próprio galho e fazer aquilo que lhe compete”

E o primeiro-ministro ainda recorreu a exemplos para mostrar a importância de cada um “cumprir as suas funções”. “Num bloco operatório se o cirurgião fizer o trabalho do anestesista ou o anestesista o trabalho do cirurgião, provavelmente o trabalho não corre bem”. Acrescentou ainda: “já temos anos suficientes de maturidade democrática para saber as competências de cada um e que é normal não estarmos sempre de acordo”.

Questionado pelos jornalistas sobre se Marcelo extravasa as suas competências com o olhar atento sobre o Governo, António Costa tentou demarcar-se dessa avaliação sem aligeirar o tom. “Tal como sou avaliado pelos cidadãos, também o PR é avaliado pelos cidadãos. Não nos andamos a avaliar uns aos outros. Até fiz comentário político durante vários anos e com muito gosto, agora não é essa a minha função”.

Nos longos minutos de respostas aos jornalistas, António Costa tentou clarificar aquilo que vê como a sua “competência” enquanto líder da maioria absoluta socialista: “tenho um compromisso com os portugueses e vou cumpri-lo, é essa a minha função. Comprometemo-nos com os portugueses na gratuitidade das creches, assumimos compromissos na habitação, é isso que estamos a concretizar. Relativamente às dificuldades que vão surgindo para executar as medidas, a função do primeiro-ministro não é andar a queixar-se, mas arranjar soluções”.

Ainda sobre o pacote Mais Habitação, o primeiro-ministro lembrou que o “papel do Governo” terminou depois da aprovação do texto final enviado ao presidente da República. Com o veto presidencial, o diploma irá voltar a ser discutido e votado no parlamento. António Costa preferiu não confirmar que o seu partido irá aprovar a mesma versão, tal como já foi avançado por diversos membros do grupo parlamentar socialista. “O PR pronunciou-se, agora o Governo aguarda serenamente a pronunciação da AR para saber se confirma, se altera”. A ação do executivo socialista regressará depois desta pronunciação, para a “execução” do documento aprovado.

À porta de uma creche no Montijo e ao lado de Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, António Costa aproveitou para lembrar as “40 mil vagas” que aumentaram em relação ao ano passado. “Estamos a trabalhar com as Misericórdias para aumentar em 20 mil lugares até 2026”. Face às centenas de pais que continuam sem encontrar creches para os filhos, o primeiro-ministro defendeu que este é um “trabalho em curso” e que tem existido um “esforço imenso por todo o país” para “aumentar a oferta”. O primeiro-ministro lembrou também “dificuldades” como a contratação de pessoas devido ao emprego estar “em máximos” e o encarecimento causado pela “inflação” que obriga o Estado a “aumentar comparticipações”. Entre os problemas, António Costa lançou também uma farpa à governação social-democrata anterior a 2015: “durante muitos anos as creches não foram prioridade, por isso hoje há uma insuficiente capacidade de resposta. Agora, é um trabalho que temos de prosseguir”.

Este investimento nas creches causa um “aumento geral da despesa” que, para António Costa, não deve colocar as contas certas, utilizadas como escudo para os socialistas, em causa. “Não podemos aumentar a despesa, reduzir a receita e manter as contas iguais. O exercício aliciante da política é podermos ter a melhor combinação possível entre o apoio certo, a diminuição do IRS e termos as contas equilibradas”.