Legislativas 2024

Ventura ameaça chumbar orçamento se não houver negociação: “É Montenegro que se demite de governar”

O líder do Chega já está a ensaiar a narrativa para o caso de contribuir para a queda de um Governo da AD nos próximos meses. Diz-se “humilde” perante a atitude de arrogância de Montenegro, e responsabiliza-o por uma crise política, se este não quiser negociar orçamentos (retificativo inclusive) com um partido que teve mais de um milhão de votos

José Fernandes

Com a força de mais de um milhão de votos no bolso e um resultado histórico para capitalizar, André Ventura antecipou-se na tentativa de condicionar a curta vitória da Aliança Democrática (AD) e responsabilizar Luís Montenegro pela instabilidade se não houver acordos com o Chega. “Se não houver negociação, voto contra o orçamento”, assumiu esta segunda-feira, numa entrevista TVI/CNN. O líder da direita radical faz pressão e está a começar a construir esta narrativa, para o caso de haver uma nova crise política: “Não é o Chega que faz cair o Governo. É o Luís Montenegro que se demite de governar”.

“Desde o início que tivemos a atitude certa, da humildade”, foi dizendo o líder do Chega ao longo da entrevista, por entender que os portugueses penalizam a arrogância e que não percebem como é que “o voto de um milhão de pessoas que saíram de casa” pode ser ignorado. Menos de 24 horas depois de ter festejado os resultados eleitorais, o líder do Chega começa a ensaiar argumentos para inverter a tendência eleitoral de penalização dos partidos que derrubam governos.

José Sena Goulão

“Todos os cenários em aberto”

A pressão de André Ventura sobre Luís Montenegro aconteceu num dia que foi passado pelos comentadores a especular sobre qual seria o posicionamento do Chega em relação a um Governo da AD. Está tudo em aberto: “Eu disse que não excluía nenhum cenário”, afirmou na entrevista à TVI e à CNN, inclusive a apresentação de uma moção de rejeição do programa da AD: “Pode não ser apresentada” se houver um Governo que cumpra pelo menos três condições: “Imagine um Governo que combate a corrupção, e aumenta as pensões e aumenta polícias e militares”. Neste caso, dependendo do programa, André Ventura admite não apresentar ou votar uma moção de rejeição.

Outra condição para um acordo “é uma convergência sobre a composição do Governo, as medidas principais e o que se pretende alcançar”. Embora não exija a sua presença num Executivo, diz fazer “sentido serem os dois partidos a decidir a composição do Governo”, através de um “acordo”, por exemplo para escolher independentes.

Caso diferente é a votação do Orçamento do Estado, como já tinha dito durante a campanha: “Se não houver negociação, é humilhar o Chega", e isso o líder do Chega diz que não admitirá, em nome do milhão de portugueses que votaram em si. Mas a promessa de Luís Montenegro foi, exatamente, a de que não haveria qualquer acordo ou negociação com o Chega.

Em todo o caso, se o PSD apresentar uma taxa fixa de IRS para os jovens, votará a favor, e fará o mesmo quanto à reposição do tempo de carreira dos professores, ou extinção progressiva do IMI.

Da mesma forma, Ventura diz-se disponível para trocar medidas-bandeira, como a prisão perpétua, por outras, como o pagamento de subsídio de risco a todas as forças de segurança. O argumento assenta numa dificuldade, porém: a prisão perpétua é inconstitucional e neste momento não há dois partidos que somem os dois terços necessários para mudar a constituição, portanto, seria uma moeda de troca sem qualquer valor.

No entanto, ao longo da entrevista, o líder do Chega não referiu uma das propostas e desafios que lançou aos partidos de direita durante a campanha como um Pacto para a Imigração, que anunciou logo no início da volta pelo país, ou uma carta de compromisso para resolver os problemas de militares, polícias e bombeiros. Também omitiu outras medidas que considerou urgentes, como o fim imediato das portagens no Algarve e no interior.

José Fernandes

Retificativo é um teste, ou o PSD quer governar com o orçamento que reprovou?

Na linha do que disse no discurso de domingo, no fim da noite eleitoral, o líder do Chega continua a repisar o argumento da “responsabilidade” para culpar o PSD pela não existência de um acordo.

“Fomos responsáveis. Apesar de termos mais de um milhão de votos, somos capazes de nos entender”, afirmou, revelando que ainda não falou com Luís Montenegro. Mandou-lhe apenas uma mensagem de cumprimentos pela vitória. “A AD prepara-se para evitar uma maioria e levar o país para a instabilidade, é uma total irresponsabilidade”.

De resto, André Ventura considera essencial a questão orçamental nesta “fase decisiva da economia nacional”, e de implementação do PRR. Admitindo que “provavelmente haverá um orçamento retificativo” do PSD – Ventura não percebe como é que a AD governaria com um orçamento a que se opôs –, o líder do Chega diz que esse “pode ser um teste”. Já no início da legislatura.

“Um partido diz: estamos disponíveis para negociar um OE medida a medida e o outro diz que não…” Daí a conclusão de André Ventura, a virar o jogo: “São eles os responsáveis pela ingovernabilidade, não somos nós”. O discurso está ensaiado: “O Chega aí estará fora da solução e tomará as suas decisões”.

Questionado sobre se já tinha falado com Marcelo Rebelo de Sousa acerca da notícia do Expresso que referia que o Presidente faria tudo para evitar a presença do partido no Governo, Ventura foi ambíguo: “Disse-me o contrário da noticia do Expresso”. Porém, o líder do partido não tinha falado com o Presidente sobre este assunto, estava a referir-se a uma declaração feita há meses: “Disse isso à saída do Palácio de Belém, na única vez que falei publicamente de uma conversa com o Presidente”, afirmou, recordando que, nessa ocasião, Marcelo “foi muito claro a dizer que não se oporia a nenhuma convergência ou presença no Governo”.

O líder do Chega diz que sentiu a notícia como “uma traição aos portugueses”, atirando com duas possibilidades: “Ou é mau jornalismo ou é Marcelo Rebelo de Sousa, à última hora, a tentar influenciar o resultado de umas eleições”.