“O poder político está de joelhos perante o poder económico. Que progresso é este? Isto interessa a alguém? Andam a brincar com as nossas vidas, que estão suspensas por causa destas negociatas.” David Freitas está zangado e não é o único. À porta da União de Freguesias de Barco e Coutada, em Castelo Branco, é um dos moradores que segura bandeiras e cartazes negros. “Lítio é mentira. Morte na Argemela Não”, lê-se a tinta branca.
Com os microfones apontados, os moradores da aldeia de Barco lançam um desafio aos outros partidos: venham à aldeia e posicionem-se sobre a exploração de lítio na Serra da Argemela. Mariana Mortágua já o tinha feito, mas reafirmou que o Bloco de Esquerda quer travar o projeto e desafiou Pedro Nuno Santos a fazer o mesmo. “Eu ouvi o secretário-geral do PS a dizer no Congresso do PS que às vezes é preciso saber dizer não. Pois eu desafio o secretário-geral do PS a dizer não à exploração de lítio e a respeitar estas populações.”
Mariana Mortágua já tinha estado na aldeia de Barco no início de janeiro. Este sábado voltou para cumprir a promessa que fez na altura: voltar em período de campanha eleitoral e trazer consigo a comunicação social, usando a ação do Bloco de Esquerda como um megafone para que se oiça o “grito de revolta” da população. “Não é possível entrar por uma região aberta e esburacá-la contra a vontade das populações”, afirmou a coordenadora do BE à chegada ao encontro com a população, anunciado em cartazes por toda a aldeia de Barco. “Se o Estado não consegue convencer as populações que o projeto é benéfico é porque não é.”
Em causa está a exploração de lítio a céu aberto na serra da Argemela, mais especificamente um pedido de atribuição de concessão que remonta a 2011. Apesar da forte oposição das populações e poder local desde 2017 (quando o pedido foi tornado público), o contrato foi mesmo assinado em 2021 e visa uma área 403.7 hectares, da qual a aldeia de Barco é a mais diretamente afetada.
Ainda sem estudo de impacto ambiental, mas já com trabalhos de prospeção e pesquisa a decorrer, a população diz já sentir os efeitos da mineração. Dizem que não podem ter as janelas abertas, que passaram a usar máscaras na rua, que o valor das suas casas já desvalorizou e que os aquíferos da região já estão a ser afetados, assim como a comunidade de morcegos (classificada como sendo de importância nacional). “O que é o nosso pulmão vai passar a ser o nosso cemitério”, queixa-se outra moradora, Deolinda Lopes.
“A 21 de outubro de 2021 meteram-nos a corda ao pescoço. Esperemos que ninguém a puxe”, corrobora Gabriela Margarido com assumida emoção na voz. Faz parte do GPSA (Grupo pela Preservação da Serra da Argemela) e relatou uma “luta de sete anos” durante uma reunião em que Mariana Mortágua assumiu o papel de ouvinte para que fosse quem aqui vive a contar aos jornalistas o que tem passado.
A população queixa-se da opacidade de todo o processo, com prazos atrasados, “leis feitas à medida” e “empresas criadas de véspera”. A indignação é tal que um dos presentes pediu a palavra e, assumindo-se simpatizante do PS, pediu para que a população da freguesia [que nas últimas eleições deu 54,35% dos votos aos socialistas] vote diferente a 10 de março.
“Nada, mas mesmo nada da agenda climática pode avançar com a direita”
A passagem da caravana do Bloco de Esquerda pela aldeia de Barco encaixou perfeitamente no discurso feito pela líder do partido na noite anterior. No Comício de Coimbra, e ainda no rescaldo das polémicas declarações do cabeça de lista da AD por Santarém, Mariana Mortágua falou contra os “negacionistas e pessimistas” que se recusam a debater a resposta às alterações climáticas como “uma grande oportunidade” para transformar a economia. “Nada mas mesmo nada da agenda climática pode avançar com a direita”, diz.
“Com a direita só há retrocesso. O que se retira das declarações do candidato do PSD por Santarém, das justificações de Montenegro ou da tradição negacionista da IL, é sempre o mesmo: querem convencer-nos que travar a crise climática significa cortar empregos, pagar mais impostos, perder conforto nas nossas vidas”, acrescenta.
Já este sábado, Mariana Mortágua foi questionada sobre a importância da exploração do lítio para as tecnologias relevantes para a transição climática. “Mais de 80% das reservas de lítio pertencem a três países, nenhum deles é Portugal. Vêm esburacar a Serra da Argemela para quê? Em nome de meia dúzia de lucros para uma empresa privada que não deixa cá nada e não cria postos de trabalho? Não é assim que se desenvolve o país”, respondeu.
E voltou ao ataque, desta vez ao “consenso apodrecido entre o PS e a direita” que quer continuar com um “modelo de desenvolvimento que atrasa o país” e explora os recursos sem criar emprego ou riqueza para os populações.