O Orçamento do Estado (OE) é um instrumento fundamental para assegurar a eficácia e a eficiência da intervenção dos municípios, bem como a sustentabilidade das suas finanças. Eis-nos perante o OE para 2024 - agora na sua reta final de aprovação na Assembleia da República - preocupado em servir os interesses dos cidadãos e em valorizar os rendimentos das famílias e das empresas.
O documento do Governo (que já não será responsável pela sua execução, fruto da inusitada situação política atual) propõe muitas medidas e consideráveis investimentos, que se vão projetar no futuro e no desenvolvimento do país. O alinhamento das grandes prioridades do Governo, para pôr em prática no próximo ano, é relativamente fácil de resumir: valorizar os rendimentos, investir e pensar no futuro.
Estaria certo, não fossemos todos, depois, confrontados com o reverso da medalha. Polémicas à parte com o Imposto Único de Circulação, querer compensar os gastos por se investir nos cidadãos é uma opção política discutível. Nos últimos dois anos, e à boleia da inflação, o Governo arrecadou, só em taxas e impostos, cerca de 13 mil milhões de euros a mais do que havia orçamentado. O próximo ano prepara-se para continuar o feito dos anteriores.
A descida da taxa de IRS beneficia apenas uma parte dos portugueses. Quem aufere salários acima dos 1.939€ brutos está fora dessa medida. Por um lado, constata-se que a proposta de OE não considerou na devida medida os rendimentos das famílias mais carenciadas e corre o risco de sobrecarregar de impostos quem ganha pouco.
Por outro lado, a conjuntura inflacionista não está ainda debelada o que pode deixar as autarquias em maus lençóis. São elas as entidades mais próximas dos cidadãos e dos problemas que eles enfrentam no dia a dia. As autarquias devem ser um braço forte dos munícipes, abraçar com eles as causas que servem as pessoas e o desenvolvimento dos territórios. Na atual conjuntura, vão debater-se com problemas ainda maiores, relacionados com o esforço das famílias, que já é grande e poderá tornar-se incomportável.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) entende que, no atual contexto, é indispensável que o OE 2024 salvaguarde a possibilidade de utilização de toda a capacidade de endividamento que os municípios têm. Essa é uma medida que vai permitir apoiar mais pessoas e terá um impacto social relevante na vida de quem realmente precisa.
Desenganem-se aqueles que pensam encontrar nestas minhas palavras qualquer ímpeto populista. Antes pelo contrário, há sim um ímpeto de verdadeira preocupação social. Há que concretizar um orçamento de caráter social, que se reflita positivamente na economia das famílias e que consiga abranger também a classe média. Os últimos anos foram particularmente difíceis e trouxeram graves desafios conjunturais para a atividade municipal.
Acontecimentos de âmbito internacional, como a pandemia COVID-19, o conflito na Ucrânia e a crise inflacionista, bem como as importantes medidas que se implementaram ao nível interno, como a descentralização de competências, as novas medidas no domínio dos transportes e no setor da habitação, exigem hoje uma resposta abrangente. Essa resposta não se vislumbra na totalidade no orçamento anunciado.
Este OE precisa de refletir medidas sólidas, que possam responder às carências que aqueles acontecimentos espoletaram e dar novo alento às expetativas da população. É preciso fazer mais do que subir o salário mínimo para equilibrar as finanças dos portugueses.
A ANMP foi perentória nas reivindicações apresentadas e conseguiu obter acolhimento em algumas, ficando ainda importantes decisões por tomar. A iluminação pública e as refeições escolares devem beneficiar de isenção em sede de IVA ou serem tributadas à taxa mínima. Deve proceder-se a uma harmonização das taxas de IVA nos serviços de água, saneamento e resíduos, independentemente do modelo de gestão adotado.
A atual Lei das Finanças Locais continua a demonstrar-se inapta e desajustada para dar resposta aos reptos neste contexto, cada vez mais desafiante e em permanente evolução. É preciso encarar esta realidade com desassombro e trabalhar na concretização de uma Nova Lei das Finanças Locais.
Este OE dita o fim das contribuições das autarquias para a ADSE, que é uma medida que se aplaude, por ser justa, e que responde ao reivindicado pela ANMP. Esta alteração vem, assim, consagrar o modelo de autofinanciamento da ADSE por exclusiva quotização dos beneficiários.
À Assembleia da República caberá agora a aprovação de alterações ao OE, esperando-se que no final sejam encontradas melhores respostas aos problemas das pessoas e, também, das autarquias. Resta-nos reivindicar e consciencializar os deputados de que podemos dar com uma mão sem ter de tirar com a outra.
*Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António e Vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses.