Exclusivo

Política

Ex-provedor diz que afastar Ana Jorge era “previsível” e que a internacionalização não devia ter sido parada

Edmundo Martinho considera que Ana Jorge veio causar “danos irreparáveis” na Santa Casa ao interromper a internacionalização “sem ter uma estratégia”. “É normal que durante um período houvesse resultados negativos”, justificou a propósito do investimento no estrangeiro

M\303\201RIO CRUZ

O primeiro a ser ouvido na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão sobre o negócio (com prejuízos avultados) da internacionalização dos jogos sociais na Santa Casa foi o ex-provedor Edmundo Martinho — a quem sucedeu Ana Jorge, entretanto afastada pelo Governo de Luís Montenegro num episódio por alguns considerado de saneamento político. 


Precisamente sobre a sua sucessora, Edmundo Martinho considerou “previsível” o afastamento e criticou o trabalho de Ana Jorge. “As opções tomadas repercutiram-se negativamente na Santa Casa. E não se conhece uma estratégia para este desequilíbrio entre as receitas e as despesas. Um novo Governo iria, sem surpresa, intervir. O que aconteceu teve danos irreparáveis para a Santa Casa”, atirou. 


Edmundo Martinho refere-se em concreto às irregularidades denunciadas pela então provedora na Santa Casa Global, o que resultou na interrupção dos negócios internacionais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. O ex-provedor discorda, pois, da decisão. Mesmo tendo em consideração as perdas de 53 milhões de euros ao investir em empresas britânicas, canadianas, peruanas, moçambicanas ou brasileiras.

“Ter demolido esta estratégia, montada e pensada, sem ter outra, é perigoso. É normal que durante um período houvesse resultados negativos. Funciona assim. São processos que implicam investimentos, nomeadamente na rede de distribuição. Isto estava tudo previsto. Foi a interrupção abrupta do investimento que trouxe os resultados negativos”, afirmou o ex-provedor na Assembleia da República, sublinhando que se dele dependesse “a internacionalização é um caminho correto para a Santa Casa, defendo esta solução”.

Assim defende porque a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa “tem um modelo muito rígido de financiamento, assente nos resultados da exploração de jogos sociais". Face à perda de receitas para o jogo online, “era preciso ganhar robustez financeira, para a continuar a prestar apoios”. E a internacionalização “podia ser um bom modelo”, afirmou Edmundo Martinho.

“Foi realizado um estudo aprofundado, com expectativas financeiras, expectativas de financiamento. Não era nada de novo, já se fazia [noutros países]. Falei com o ministro Vieira da Silva, ainda era ele com a tutela [do Trabalho e Solidariedade Social], e a resposta foi para se avançar. E avançámos”, explicou aos deputados.

Entre os mercados “mais relevante dos que não estavam regulados” estava o do Brasil. “E constituímos uma entidade [Santa Casa Global] empresarial para fazer este trabalho. A tutela, mais uma vez, autorizou. Foi sempre informada de forma detalhada”, acrescentou.

Lá, no Brasil, a Santa Casa é acionista maioritária da MCE, “a famosa MCE”, gracejou Edmundo Martinho, contratada para comercializar os jogos de lotaria e raspadinhas no Brasil. “Foi escolhida por ter uma rede de vendas”, referiu somente este ex-provedor, ignorando os processos judiciais que envolvem esta empresa no Brasil, arriscando a Santa Casa o pagamento de milhões de euros por incumprimento de contratos relacionados com jogo.

Um negócio igualmente com prejuízo foi o dos NFT. Aí, nada Edmundo Martinho poderá apontar a Ana Jorge. O negócio nasceu e morreu consigo.

Em novembro de 2021 a Santa Casa entrava na febre dos ativos digitais e apresentava, durante a Web Summit, a plataforma Artentik, aposta sua na arte digital e nos NFT (um bem virtual não fungível e, ao mesmo tempo, um mercado tido como de muito alto risco). O filho de Edmundo Martinho esteve diretamente envolvido num projeto que custaria meio milhão de euros mas acabou por ser abandonado e como retorno teve apenas 6.200 euros.

O filho de Edmundo Martinho trabalhar na empresa [Utrust] contratada para prestar o serviço foi, diz o ex-provedor, “coincidência”.

“A Santa Casa dispõe de um património artístico valioso à escala mundial. Na altura havia a febre das criptomoedas e dos NFT, com transações absolutamente incríveis. O meu filho hoje é quadro da Nestlé mas já na altura tinha aptidão para estas coisas do marketing. Fez uma apresentação a título gratuito sobre blockchain, criptomoedas e NFT. Foi apenas isso. Felizmente ou infelizmente não deu nenhum resultado, tivemos muito poucas vendas”, concluiu.