A frase colocada entre aspas no título desta peça é de Jerónimo de Sousa e pode bem servir para mostrar o estado das relações entre o PCP e o PS ao fim de quatro anos de Governo socialista. Ou para medir o tom do primeiro frente a frente televisivo das legislativas de 2019. "Acho que, aqui, ninguém comeu ninguém", concluiu o líder comunista logo no início. Ainda o frente-a-frente ia no arranque (era a primeira intervenção de Jerónimo) e a pivô da SIC insistia em saber se ele mantinha, ou não, a confiança em António Costa. A resposta não podia ser mais esclarecedora.
Como é seu hábito, Jeronimo rapou dos adágios populares e lá foi ele: "Como dizia a minha mãe, a melhor prova do pudim é comê-lo". Clara de Sousa não hesitou e perguntou: "Afinal quem é que comeu o pudim?". Como no frei Luis de Sousa, "ninguém" foi a resposta mais conveniente. Jerónimo acabou por reconhecer que tem temos "orgulho" no que conseguiram alcançar em quatro anos de legislatura. Sem antes dizer que tem "por hábito tratar as pessoas com respeito" e "relações pessoais" à parte, a verdade é que "a ação e o diálogo" estabelecido com o PS permitiu "coisas que" o PCP valoriza "muito".
António Costa sorria e não despregava os olhos do líder comunista. Na sua primeira intervenção, já tinha posto punhos de renda nas referências ao PCP. Se é verdade que afirmara que tinha sido "fácil" trabalhar com os comunistas na 'geringonça', "não queria com isso, de forma alguma, diminuir a exigência que o PCP sempre pôs nas negociações". E se a jornalista da SIC insistia no confronto, Costa pediu: "Não insista mais nesse ponto". Contas feitas, "fazemos uma avaliação globalmente positiva destes quatro anos", encerrou.
Logo no primeiro round, o confronto deixou o ringue de boxe para o clube de cavalheiros. As "questões insanáveis" são reconhecidas de parte a parte, mas nada que não se resolva civilizada e calmamente. "Há uma nota geral de valorização do que alcançamos", disse Jerónimo de Sousa. E se a maré é de alta eleitoral para o PS, Costa aposta na modéstia e devolve o voto ao povo, sem beliscar o adversário ali mesmo à frente. Já Jerónimo faz uma profissão de fé no "bom resultado" que a CDU pode vir a alcançar e avisa os "comentadores com alma de cangalheiros" que "o PCP não acabou" e que "não perdeu com a geringonça".
Nem Europa, nem a Nato
O tom simpático - ou o "respeito" mútuo assumido na televisão - não afasta as diferenças. Mas, contorna-as. Há quatro anos, em idêntico frente-a-frente, as posições antagónicas dos dois partidos foram o foco principal do debate, mas desta vez nem um minuto foi perdido com estas divergências. São "insanáveis" e nem por isso condicionam um eventual novo entendimento entre os dois líderes.
Já as alterações introduzidas no final da legislatura à legislação laboral foram a única oportunidade para Costa e Jerónimo esgrimirem argumentos. A linha vermelha do PCP foi aqui ultrapassada, mas o secretário geral do PS contrapôs que, o que os comunistas diziam ser um retrocesso era, afinal, um mundo de vantagens para os jovens trabalhadores e arrumou o assunto com as estatísticas que apontam para 92% dos contratos celebrados serem de vinculo definitivo. Um tiro no porta-aviões do argumentário do PCP, que Jerónimo só conseguiu rebater, indo aos idos de 1976 para lembrar a legislação dos contratos a prazo, lançada pelo PS e que "abriu um fenda na muralha da legislação laboral".
Mas quando o clima podia ser propício ao confronto, o clube de cavalheiros impôs-se de novo. Jerónimo até recusou a classificação feita por Clara de Sousa de que o PS seria um partido de direita, para o PCP. "Nunca dissemos isso, o que dizemos é que tem uma política de direita", emendou Jerónimo.
Os velhos adversários estão, de facto, muito mais próximos. E à primeira oportunidade, quando Costa falava no futuro aumento do salário mínimo e dos que mais puderem crescer, Jerónimo voltou a ver uma janela de oportunidade. "Aparentemente, há aqui uma convergência", disse o líder comunista. A valorização salarial é uma bandeira que os comunistas seguram com todos os dentes e Jerónimo não deixou de a aproveitar. Afinal de contas, está para ficar. A encerrar o debate, garantiu que "a questão do secretário geral não está colocada" e, por ele, continua no cargo. "Vou fazer esta campanha com toda a determinação e força. Depois, uma ultima frase: há quem afunile a vida para as eleições. Mas, reduzir a minha actividade às eleições é sinal de que estaria aqui a mais". E não está.