Sem se desviar um milímetro da linha que traçou para a atual campanha eleitoral, António Costa só não conseguiu responder a duas perguntas e uma delas passa pelo Bloco de Esquerda, o partido "mass media" como ele próprio classificou o parceiro de legislatura na recente entrevista que deu ao Expresso. A pergunta da jornalista da TVI, durante a entrevista que foi para o ar nesta quarta-feira, foi direta: "Quem é o adversário do PS? É o BE ou o PSD?". Seguiu-se a não resposta: "Temos que fazer mais e melhor". E fazer mais e melhor, explicou o primeiro-ministro, implica não assumir grandes compromissos com os parceiros dos últimos quatro anos. Porquê? Para não complicar a vida ao país.
"Não vale a pena complicar a nossa vida acrescentando riscos de uma crise política aos riscos externos", afirmou António Costa, que embora rejeitando antecipar vindas do Diabo, quando questionado sobre se admitia levar o BE ou o PCP para o Governo, respondeu ser "impossível" uma "coligação formal" pós eleitoral com os parceiros da atual legislatura. Porquê? Porque "para haver um Governo é preciso que ele seja coeso para ter condições de governabilidade no dia a dia" e com o PCP ou o BE "como seria a relação com a União Europeia, a gestão da dívida pública, ou a gestão de uma greve como a dos camionistas?". Ou como seria a gestão pelo próximo Governo dos "riscos externos" de uma eventual crise internacional.
Fiel ao foco que fixou para esta campanha - o eleitorado mais moderado e de centro - António Costa nem por isso deixou a bandeira dos aumentos salariais para os velhos parceiros à esquerda. Pelo contrário, comprometeu-se em levar à Concertação Social "logo no início da legislatura" uma proposta de aumento do salário mínimo que não quis quantificar mas que classificou de "meta ambiciosa". E acrescentou ser urgente aumentar o salário médio, que "ainda é muito baixo e tem que subir significativamente".
Campanha é “todos contra um”
Ciente de que o 'chega para lá' aos parceiros de esquerda também tem custos, Costa reagiu à derrota que as reações nas redes tiveram à sua entrevista, em que 58% achou-o "mal" e apenas 42% o achou "bem": "esta campanha transformou-se estranhamente numa coisa de todos contra um". E acusou PCP e BE de terem sido os primeiros a demarcarem-se - "Catarina Martins chegou a dizer que esta legislatura foi uma luta da esquerda contra o Partido Socialista" - enquanto ele assumiu "por inteiro o legado destes quatro anos".
As contas certas estão na lapela do primeiro-ministro, que exibiu "o equilíbrio" de ao mesmo tempo repôr rendimentos, ir diminuindo a dívida, e "estimular o investimento". Mas a segunda pergunta a que António Costa não respondeu foi sobre se admitia, em caso de crise económica internacional, deixar derrapar o défice. "Trabalhamos num cenário macroeconómico conservador", limitou-se a responder, apostado em transmitir confiança, mas fugindo sempre a garantir que não furará as metas do défice público.
Admitindo que "qualquer crise internacional será problemática", o primeiro-ministro mostrou-se convicto de que "hoje estamos melhor preparados e temos mais instrumentos" para resistir. E comprometeu-se, caso ganhe as legislativas de outubro, a manter-se prudente "nunca dando passos maiores do que a perna" para garantir "que o país estará preparado para enfrentar os riscos".
Manter Mário Centeno continua a ser uma peça-chave desta história e Costa - que diz nunca lhe ter "feito a pergunta" - mostra-se tranquilo: "Não tenho nenhuma razão para duvidar e, se os portugueses me derem a sua confiança, falarei com ele em primeiro lugar", afirmou, insistindo "não antecipar grande alteração no Governo".
Classe média “está asfixiada”
Da plateia convidada pela TVI para fazer perguntas ao primeiro-ministro houve de tudo e António Costa aproveitou para dar algumas notícias. Além da aposta nos aumentos salariais logo a abrir a legislatura, comprometeu-se com "novos desagravamentos no IRS" porque "a classe média está asfixiada". Prometeu, também, baixar as taxas da Justiça, dar prioridade aos serviços públicos e não mexer na lei da greve.
Uma professora "revoltada" que lhe perguntou se sabia que não há papel higiénico nas escolas e lhe pediu uma razão para que os professores voltem às aulas motivados, levou com uma das respostas mais frias: "A principal motivação de um professor são os alunos". Quanto ao papel higiénico, Costa respondeu com a decisão do seu Governo de reforçar a "autonomia das escolas".
Rejeitando rever-se na posição de "arrogância" que lhe atribuem, o primeiro-ministro reconheceu que "os portugueses não gostam de maioria absolutas", mas invocou o seu exemplo na câmara de Lisboa, onde governou com maioria e sem ela e, nos dois casos, sempre negociou com todos os partidos. Posicionando-se como o grande negociador, chegou a ter um lapso - "Se o PS perder vai para casa" - como se há quatro anos não tivesse perdido as eleições e, exatamente por se dispôr a negociar, ter conseguido chegar ao poder.
Por último, Costa não excluiu apoiar um Museu de Salazar em Santa Comba. "Depende", afirmou, "se for uma apologia de Salazar, sou contra. Se for um museu de contextualização, pode ser útil". E sobre a eutanásia, o programa eleitoral do PS nada diz porque "o PS não vai ter posição oficial e dará liberdade de voto". 58% não gostaram da entrevista? "Eu não tenho a ambição de convencer 100%". Para a maioria absoluta, qualquer coisa à roda dos 40% chega.