Angola quer captar investimento português fora de áreas tradicionais, como tinham sido até agora a construção e o imobiliário em queda com a crise. Com a quebra do preço do petróleo e com a necessidade de diversificação da economia, o Governo angolano tem como objetivo a produção de bens essenciais para equilibrar a balança comercial. Daí que o próprio Presidente João Lourenço tenha feito um apelo na entrevista desta semana à RTP: "Gostaríamos de ver maior presença do empresariado português na agricultura, na indústria transformadora, nas várias indústrias, não especificamente na indústria extrativa mas sobretudo na indústria transformadora, no turismo. Sobretudo nessas áreas”.
É suposto a visita de Estado de Marcelo Rebelo de Sousa arrastar as relações económicas e empresariais – os portugueses já estão no terreno e conseguem adaptar-se mais depressa, costuma dizer o Presidente que vê aqui um conjunto de oportunidades. Mas o terreno em Angola não é fácil. Estes temas são debatidos esta quinta-feira, num fórum empresarial em Benguela que o Presidente português encerra ao fim da tarde de um dia que começou no Lubango, província de Huíla.
"A alteração do perfil dos investidores é uma inevitabilidade”, diz ao Expresso João Luís Traça, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal Angola (CCIPA), que participa no fórum em Benguela. "A economia angolana vai diversificar-se cada vez mais e a verdadeira questão para os empresários portugueses é saber se vão conseguir agarrar as oportunidades ou vão deixar que sejam empresários de outros países a fazer tais investimentos. Claramente que Angola terá mais investimento português na agricultura e na indústria, a questão é o valor e relevância desses investimentos".
Se a questão das dívidas às empresas portugueses é um tema em cima da mesa para a confiança entre as partes ser recuperada, os problemas de infraestruturas e de qualificações que o país ainda tem acabam por ser os principais obstáculos ao investimento estrangeiro. "Penso que o principal problema é o contexto da economia angolana, com falta de divisas e reduzido consumo interno. Assim que a economia voltar a crescer, grande parte destes problemas ficam resolvidos”, diz João Luís Traça, que aponta outras dificuldades. "A electricidade ainda é um problema no contexto industrial, embora estejam a ser construídas barragens que vão certamente ajudar. De qualquer modo, é importante referir que tem havido uma melhoria apesar de ainda estarmos longe do cenário perfeito para as atividades industriais”.
Segundo empresários portugueses com que o Expresso falou, a necessidade de ter fábricas a funcionar com geradores, porque não é possível confiar na rede elétrica, é um dos fatores de dissuasão de investidores na área industrial.
De acordo com o presidente da CCIPA, “a questão dos recursos humanos, que tem vindo a melhorar ao longo dos últimos anos, é um ‘pressuposto' que as empresas incorporam no seu modelo operacional”. Ou seja, é uma realidade com a qual têm de viver.
Recuperar a confiança
A visita de Estado de Marcelo “acrescenta uma forte ‘camada' de empatia entre os dois povos, algo que certamente contribui para o desenvolvimento e reforço das relações empresariais”, diz João Traça. Mas será mais do que isso. Desde que os dois países voltaram a intensificar as relações, estão a trabalhar para as empresas recuperarem a confiança.
Na conferência de imprensa com João Lourenço, esta quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de salientar que o processo de certificação de dívidas às empresas portuguesas “tem sete meses” – em que foi feita “a delimitação do universo proclamado” das dívidas, “o universo certificado e o universo começado a pagar.” Neste momento, segundo informações do Expresso, já foi certificada cerca de dois terços da dívida reclamada, sobretudo por construtoras, e 145 milhões de euros pagos.
“O importante é a vontade política definida”, acrescentou o Presidente português, considerando que fazer uma tarefa destas em tão pouco tempo “é raríssimo para quem tem experiência em política económica e economia internacional”.
O próprio João Lourenço disse que a “dívida de Angola para com Portugal não é um tabu e é para se falar abertamente”. E disse mais: “Existir dívida é algo absolutamente normal desde que certificada e o devedor assuma o compromisso de pagar. O que se está a verificar”. Resta saber se os empresários portugueses aceitam condições como receberem em títulos do Tesouro angolano, algo que João Lourenço diz não ser um fator imposto nas negociações.
Para Angola e Portugal, na verdade, a componente das empresas é fundamental e não é por acaso que os ministros da Economia, Pedro Siza Vieira, e da Agricultura, Capoulas Santos, estão na comitiva.
Outro aspeto na agenda bilateral tem a ver com as dívidas de empresas portuguesas ao fisco angolano.“Quando falamos da dívida, não estamos só a falar da dívida de Angola com Portugal, mas também da regularização da dívida fiscal de empresas portuguesas para com o Estado angolano”, disse o ministro das Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, esta semana.