A declaração de António Saraiva, presidente da CIP - Confederação Empresarial de Portugal, de que os patrões vão “surpreender a sociedade portuguesa” com um salário mínimo nacional (SMN) acima dos 600 euros em 2019 apanhou desprevenidos os empresários e as próprias associações patronais. As declarações de António Saraiva foram conhecidas durante o fim de semana em entrevista ao “Jornal de Negócios” e à Antena 1. O SMN é atualmente de 580 euros.
Em declarações ao Expresso, as demais confederações dizem que todas elas lutam por melhor os salários, mas, alegam, é preciso sensatez e uma avaliação da realidade de cada sector. Inaceitável é a redução do horário de trabalho, apontam. Mas o tema não foi concertado no âmbito da CIP e só está na agenda das direções associativas para depois das férias.
A CCP - Confederação do Comércio e Serviços (CCP) defende que a metodologia aplicada nos anos anteriores para a definição do SMN, centrada na evolução da inflação, produtividade e crescimento da economia, deve ser mantida mas, a verdade, é que “apenas em outubro analisaremos os indicadores e definiremos uma posição”.
A Associação Empresarial de Portugal (AEP) segue o mesmo critério. Qualquer posição “é prematura e a avaliação sobre o SMN depende de um conjunto de indicadores que não estão fechados”, diz o presidente, Paulo Nunes de Almeida. O presidente da AEP não percebe qual a estratégia que levou António Saraiva “a jogar este trunfo neste momento”.
Pedro Ferraz da Costa, presidente do Fórum para a Competitividade, regista que o atual SMN “é muito elevado em Portugal por se aplicar a pessoas sem qualificação”, desmotiva a educação e esvazia a contratação coletiva “porque a remuneração não depende da empresas mas é fixado pelo Governo”.
O tema transferiu-se do “plano económico para o político”. Ferraz da Costa admite que um SMN de 600 euros pode ser “penoso para indústrias de mão de obra intensiva, como a têxtil, que já tiveram qde reduzir à margem do negócio “para impulsionarem as exportações”.
Têxtil preocupada
Foi com estranheza que a ATP - Associação Têxtil e Vestuário de Portugal tomou conhecimento da posição de António Saraiva. “Fomos apanhados desprevenidos, não posso adiantar a posição da ATP porque o assunto não foi debatido pela direção”, responde o secretário-geral, Paulo Vaz. O presidente da ATP, Paulo Melo, esteve incontactável ao longo do dia.
A indústria têxtil tem advertido para os riscos de aumentos salariais no universo têxtil, marcado por empresas de pequena dimensão. O sector receia que a subida dos custos laborais destrua a recuperação conseguida.
“Desprevenido não, porque já tinha havido umas conversas, mas a posição anunciada não foi concertada”, diz Aníbal Campos, o patrão da Silampos, que preside à Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP). Aníbal Campos defende o aumento do SMN, num compromisso alargado “em que atenda igualmente à flexibilidade laboral”. Mas receia que um aumento de 3,5% possa ser difícil de digerir pelas empresas de reduzida dimensão.
O SMN está nos 580 euros. O governo defende uma subida para 600 euros em 2019. Mas o presidente da CIP anunciou que poderá surpreender os parceiros sociais e propor um valor até superior ao número do governo.
As associações empresariais advertem para comparações apressadas e distorcidas. Em Portugal pagam-se 14 meses de salários ( e não 12 como noutros países) e na conta dos custos laborais é preciso entrar com a Taxa Social Única, mais elevada aqui do que na maioria dos países.
Concertação social e ideologia
Na fileira do metal, a generalidades das empresas já paga pelo menos 600 euros aos operários indiferenciados ou de chão da fábrica. Mas o presidente da AIMMAP admite que essa cifra seja difícil de digerir pelas “pequenas oficinas” e nas empresas que operam no sector dos serviços.
“Todos temos de fazer um esforço para aumentar o SMN, mas não podemos ignorar a realidade de cada sector”, diz o industrial. Aníbal Campos adverte que o fator salário “terá de ser combinado com a flexibilidade laboral” e que não se pode pôr em causa o banco de horas, que permite até à comunidade laboral fazer a gestão do seu IRS, nem o período experimental.
“Não se pode firmar um acordo em sede de concertação social e depois o Parlamento, por impulso ideológico, mudar as regras laborais”, diz. Se há abusos no banco de horas ou nos contratos a prazo “é castigar os infratores”.
Aníbal Campos diz que todos os dias fala com os 240 assalariados e sabe que eles querem “melhores salários” e que se revoltam com “a disparidade de horário de trabalho na função pública e no privado”. Os trabalhadores “não querem redução de horário - essa medida seria insuportável - mas sabem que estão a financiar quem trabalha menos horas no sector público”.
Atenção aos fabricantes italianos e espanhóis
Uma outra indústria, a mesma visão. Luís Onofre, presidente da APICCAPS, a associação representativa da fileira do calçado, aconselha prudência e faz depender a valorização do SMN do “aumento da produção e da produtividade”.
Se dependesse dele, Luís Onofre, “duplicaria com prazer os salários a todo o pessoal” e adotava a referência dos países ricos da Europa.
Mas há sempre uma realidade que não pode ser ignorada. E a realidade é que “as marcas de calçado italianas socorrem-se de mão-de-obra de países vizinhos, como a Bulgária ou a Roménia”. E os fabricantes espanhóis subempreitam em Marrocos. Nos dois casos, o produto ostenta a marca como se fosse “um produto genuíno do país”. Esta é uma realidade que “deveria ser fiscalizada e combatida” pela Comissão Europeia.
O tema do SMN não esteve ainda em discussão no seio da APICCAPS. Luís Onofre lembra que na fileira do calçado predominam empresas de pequena dimensão. Um agravamento “terá efeitos diferentes” e as empresas de gama mais baixa “poderão estar mais vulneráveis”.
Sobe a receita da Taxa Social Única
Pedro Ferraz da Costa fica mais chocado ao ver um licenciado ganhar 900 euros do que o SMN ser inferior a 600. Esta diferença “é desmotivadora para quem se formou”. O industrial farmacêutico e ex-presidente da CIP nota vários efeitos perversos. A subida do SMN “desvaloriza a formação”, esvazia a contratação coletiva “porque o vencimento não depende da empresa em que se trabalha e é fixado pelo governo” e “estimula a robotização fabril para as tarefas mais simples”. O país “deveria remunerar melhor a mão de obra qualificada”.
Para o Estado, a subida é virtuosa. Aumenta a receita que arrecada pelo pagamento da Taxa Social Única. Na atual conjuntura “sobreaquecida”, Ferraz da Costa antecipa que a subida não terá efeitos nocivos na evolução do desemprego. Em 2015, a subida do SMN levou a uma travagem na criação de emprego, “mas o ambiente era menos favorável”.
Ferraz da Costa diz que em países como os Estados Unidos o SMN funciona como “o carro vassoura que apanha um pelotão muito reduzido de assalariados”. Aqui não, afeta uma comunidade grande e quanto mais subir “mais volumoso fica o pelotão”.
A indústria digere e aguenta? Depende, diz Ferraz da Costa. Não se pode misturar no mesmo saco quem opera no segmento do conhecimento e tecnologia que segue padrões europeus, com os sectores de mão de obra intensiva.
A CCP lembra que nos últimos anos o Governo, “por decisão política, decretou aumentos significativamente superiores” ao que a confederação defendia. Para 2019, lida com o cenário do Governo (600 euros).
No universo de 200 mil empresas (1,2 milhões de trabalhadores) do Comércio e Serviços que a CCP representa existem vários sectores, como o automóvel, transportes ou novas tecnologias, que “acordaram nos seus contratos coletivos salários mínimos superiores ao legalmente estabelecido”. A CCP aplaude essas decisões “por serem positivas para a evolução do consumo interno e da economia em geral”.
Na construção, o SMN aplica-se a um conjunto alargado de trabalhadores. Mas o Sindicato de Construção de Portugal, para combater a escassez de pessoal no sector, defendeu junto do Governo e das associações empresariais um valor mínimo de 850 euros.
Mas a realidade é que a escassez da oferta faz com que “em Lisboa quem quiser contratar um servente já tem de pagar 750 euros de vencimento base”, diz Ricardo Pedrosa Gomes, presidente da Associação de Empresas de Construção e Obras Publicas e Serviços (AECOPS). Se pagar o SMN, “o trabalhador prefere tirar imperais num bar e empregar-se no sector do turismo”. Mas este é um fenómeno de Lisboa e do Porto. No resto do país, argumenta, as empresas não podem aguentar uma subida acentuada do custo laboral, que faria disparar o preço final das empreitadas.