Teresa Leal Coelho, a deputada do PSD que preside à comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, remeteu o esboço do Orçamento de 2016 para análise dos técnicos do Parlamento, com indicação de que o respetivo relatório esteja pronto até ao dia 28 - ou seja, até a próxima quinta-feira. A presidente da comissão de Orçamento tomou essa iniciativa mal o draft do OE deu entrada na Assembleia da República, no final da semana passada. Leal Coelho fê-lo dentro das suas competências de direção da comissão, sem ter antes consultado os grupos parlamentares.
A decisão da deputada do PSD apanhou de surpresa os grupos parlamentares da esquerda, em particular o PS. João Galamba considera "um absurdo" a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) estar a analisar um esboço quando a AR está na iminência de receber a proposta final do Orçamento. Em declarações ao Expresso, o deputado socialista admite mesmo que o pedido à UTAO seja "mera guerrilha política" promovida pela anterior maioria.
Porém, a rapidez com que Leal Coelho atuou, e os prazos curtos que impôs à UTAO, acabaram por ultrapassar até o CDS, que apresentou um requerimento para que o draft do OE seja analisado e, também, para que Mário Centeno seja ouvido no Parlamento sobre o documento enviado para Bruxelas. As iniciativas do CDS são discutidas e votadas na comissão esta quarta-feira.
Não é garantido que a audição do ministro seja viabilizada pela esquerda, mas o pedido à UTAO, apesar de já ser irrelevante, pois essa análise já está em curso, deverá ser viabilizada pela esquerda, apesar das críticas. "Achamos um absurdo, mas não seremos nós a obstaculizar essa análise", diz Galamba. Mariana Mortágua, do BE, também acha o exercício "inconsequente", pois o documento que interessa mesmo é o OE que entra no Parlamento no dia 5, mas não votará contra. Só o PCP ainda estava esta terça-feira "a analisar" como votará.
Tiro no OE antes de haver OE
O pedido de um relatório da UTAO sobre o esboço do OE será, afinal, "absurdo", como diz o PS, ou "fundamental", como diz Cecília Meireles, do CDS? Ou será "guerrilha", como sustenta João Galamba?
À direita a expectativa é que os técnicos do Parlamento, que costumam ser bastante críticos sobre os cenários orçamentais apresentados pelos Governos, o sejam também neste caso. Aliás, a generalidade das instituições que já se pronunciaram sobre o draft acusam-no de ser demasiado otimista, recorrendo aos truques de sempre para acomodar receitas e despesas à medida de um défice aceitável por Bruxelas. Resta saber o que dirão as instituições europeias, que têm o único veredicto determinante, mas as críticas aos primeiros dados do OE já foram feitas por organismos tão diferentes como o Conselho de Finanças Públicas ou as agências de rating Fitch e Moody's.
Se a análise da UTAO for igualmente negativa, o Orçamento, antes de o ser, já estará sob fogo. O caso tem ainda um picante político extra: na última legislatura, as críticas dos técnicos do Parlamento às contas do governo da coligação foram muitas vezes usadas com grande estrondo pelo PS para demolir Vitor Gaspar e Maria Luis Albuquerque. A vingança será um prato que se serve frio?
Uma análise inédita
Uma coisa é garantida: a análise da UTAO ao draft do orçamento é algo inédito. Por uma razão simples: desde que existe a obrigação dos governos apresentarem este documento a Bruxelas, Portugal esteve sempre isento de o fazer, pois estava em procedimento por défice excessivo e sob resgate da troika. Com tantos olhos sobre as contas nacionais, não havia a obrigação de enviar o esboço do Orçamento.
Por outro lado, o draft nem tinha de ser enviado ao Parlamento, pois é um documento que circula entre o Governo e a Comissão Europeia. Mas como o Governo o enviou para a AR, por estarem aí os partidos que sustentam a maioria de esquerda, fica à mercê da avaliação política dos deputados.
João Galamba considera "ridículo" estar a analisar um documento sobre o qual os deputados não se vão pronunciar. Mas Duarte Pacheco, do PSD, discorda. "Não é uma perda de tempo, é adiantar trabalho", diz, pois "a UTAO pode já trabalhar sobre o cenário macro-económico, que será igual ao do OE, e porque o essencial do relatório do OE já está neste draft".
Cecília Meireles, por seu lado, considera que se o governo decidiu fazer grande alarido com algumas partes do draft, deve então responder sobre outras de que não tem falado. "O Governo deu explicações muito detalhadas sobre umas coisas e nenhuma explicações sobre outras. É natural que queiramos uma análise mais fina e ouvir o ministro o mais depressa possível".
Vai ser um longo processo orçamental.