Que voz é esta?

“A insónia afeta muito o meu humor: tenho os nervos à flor da pele, o ruído faz-me confusão e a concentração é altamente afetada”

A insónia crónica tem uma estreita relação com a saúde mental e mais de 10% da população sofre deste mal. Tanto pode ser um primeiro sintoma de depressão ou perturbação de ansiedade, como pode, ela própria, dar origem a doença mental ou agravá-la. No mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?” falamos sobre as causas e o tratamento da insónia, com as explicações do psiquiatra Hugo Simião, especializado em psicologia do sono, e o testemunho de Marta Poiares, de 39 anos, que sofre de problemas graves de sono há quase duas décadas

Há quase duas décadas que Marta Poiares, de 39 anos, trava uma guerra com o sono e a cama é o seu maior "inimigo". Começou a dormir mal na faculdade, mas no último ano as insónias tornaram-se diárias. Todas as noites, invariavelmente, acorda ao fim de três ou quatro horas e é assaltada por “300 mil pensamentos”, que não a deixam voltar a adormecer.

Marta Poiares, de 39 anos, diretora criativa numa agência de publicidade, sofre de insónia crónica
Matilde Fieschi

“De manhã, parece que já vivi um dia inteiro”, descreve a diretora criativa numa agência de publicidade, no mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?”, dedicado à insónia crónica.

No episódio, Hugo Simião, psiquiatra com certificação europeia em Medicina do Sono e pós-graduado em Psicologia do Sono, explica que para haver um diagnóstico de insónia crónica é preciso que, mais de três vezes por semana e num período superior a três meses, a pessoa tenha dificuldade em iniciar ou manter o sono.

Classificada como uma doença há cerca de dez anos, a perturbação de insónia crónica, que se estima afetar mais de 10% da população, tem grande impacto na vida quotidiana, causando fadiga extrema, instabilidade emocional e grandes dificuldades de concentração.

É o que acontece com Marta. "Afeta muito o meu humor. Estou bastante irritadiça, com nervos à flor da pele. O ruído faz-me muita confusão e a concentração é altamente afetada. Sou completamente dispersa, tenho de me focar muito para conseguir realizar uma tarefa até ao fim sem estar sempre a interromper", conta.

Ainda que com fases melhores e piores, os problemas de sono começaram quando estava ainda na faculdade. Algum tempo depois, foi-lhe diagnosticada uma depressão. Até hoje, passados quase 20 anos, a insónia e a depressão têm andado de mãos dadas na sua vida, sem que os especialistas que a acompanham tenham conseguido perceber qual delas é a causa e qual é o efeito - algo que acontece com frequência nestes casos.

“A insónia e a depressão são exemplos claros de como o sono tem uma relação bidirecional com a saúde mental”, explica Hugo Simião, adiantando que quem sofre de insónia crónica tem duas vezes mais probabilidade de vir a sofrer de um quadro depressivo. “Em termos neurológicos, há uma ativação da amígdala, que vai estar 'mais atenta' aos estímulos emocionalmente negativos e menosprezar os positivos, o que pode ser uma das vias que predispõe ao desenvolvimento da depressão”, diz.

Mas também pode acontecer o inverso e ser a depressão a desencadear a insónia crónica, uma vez que há alterações em neurotransmissores que têm impacto nas fases do sono, adianta o especialista.

Com certificação europeia em medicina do sono e pós-graduado em psicologia do sono, o psiquiatra Hugo Simião foi o convidado do podcast "Que Voz é Esta?", no episódio dedicado à insónia crónica

Igualmente muito estreita, a relação entre insónia e ansiedade parece ser mais clara: é sabido que a ansiedade causa um aumento do estado de alerta que inibe os neurotransmissores indutores do sono, explica Hugo Simião.

De acordo com o psiquiatra, a psicoterapia especialmente orientada para o tratamento da insónia, baseada em técnicas cognitivo-comportamentais, é a abordagem terapêutica mais segura e eficaz para estes casos e só se não funcionar é que se deve avançar para a medicação.

O papel do exercício físico e da exposição à luz solar e a importância de apostar numa boa higiene do sono e manter uma rotina a nível de horários de deitar e acordar foram algumas das estratégias abordadas neste episódio para promover noites mais relaxadas e com melhor qualidade de sono.

As causas da insónia crónica e a sua prevalência, que é duas vezes maior nas mulheres e que também atinge mais as pessoas mais velhas do que os jovens, foram outros dos aspetos abordados neste que é o mais recente episódio do podcast do Expresso dedicado à saúde mental.

Tiago Pereira Santos e João Carlos Santos

“Que voz é esta?” é o nome do podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento dão voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, ouvindo igualmente os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, fala-se de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.