De uma maneira geral, as relações entre pais e filhos nunca foram tão próximas e afetuosas. Por que razão então os pais de hoje vivem angustiados e com sentimentos de culpa? Como gerem a falta de tempo para estar com os filhos? A que se deve a necessidade de hiperproteção das crianças e que impacto é que isso tem no seu desenvolvimento? E o que devem fazer em caso de birras insistentes ou adolescentes desafiantes?
É frequente dizer-se que ser mãe ou pai é simultaneamente a melhor e a mais difícil tarefa do mundo. Mas, numa altura em que a vida se transformou numa correria diária e em que proliferam conselhos sobre parentalidade, a pressão exercida hoje sobre os pais é enorme e a missão parece mais desafiante do que nunca.
“Os pais de hoje querem ser muito bons pais e há muita publicidade à volta do pai perfeito, que tem que ser cada vez melhor, e gera-se um sentimento de culpa”, diz o psiquiatra Daniel Sampaio, um dos precursores da Terapia Familiar em Portugal e autor de várias obras sobre parentalidade, nomeadamente na área da psiquiatria da adolescência.
“A preocupação dos pais com os filhos é uma coisa muito boa da geração de pais atuais, mas ao mesmo tempo faz uma enorme pressão que temos de combater”, adianta no mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?”.
Laura Sanches, psicóloga clínica dedicada ao desenvolvimento infantil e ao aconselhamento parental, está habituada a ouvir os pais desabafarem no seu consultório sobre os sentimentos de culpa que muitas vezes enfrentam, pela falta de tempo que têm para estar com as crianças ou por situações em que se descontrolam na gestão de birras, por exemplo.
“As mães às vezes vêm muito preocupadas porque se zangam, gritam e fazem coisas que não queriam ter feito. Mas isso faz parte das relações. As crianças não precisam de mães que estão sempre, sempre calmas. Precisam de mães que também sabem assumir as suas responsabilidades”, sublinha.
Nunca como hoje os pais estiveram “tão conscientes do impacto que a educação tem na criança” e da importância decisiva da infância na construção da auto-estima e da personalidade. “Já há muita investigação nessa área e chegámos à conclusão que realmente a criança organiza o seu mundo interno e externo em função das suas relações mais importantes nos primeiros anos de vida. A forma como os pais respondem à criança vai moldando aquilo que ela aprende sobre si mesma e aquilo que aprende a esperar das relações com os outros”, explica.
Por isso, os pais temem que muita coisa possa traumatizar os filhos, mas Laura Sanches diz que é importante relativizar: “De facto o que nós fazemos tem impacto, mas as crianças não são frágeis. Estão programadas para resistir a algumas adversidades e isso é saudável e importante. Ajuda-as a ganharem resiliência”.
A educação do medo
A promoção da autonomia das crianças é fundamental e, para isso, é necessário correr alguns riscos. O problema é que muitas famílias têm hoje um “medo completamente excessivo” de tudo o que possa acontecer aos filhos, acabando por protegê-los em demasia, alerta Daniel Sampaio.
“As crianças de hoje não podem brincar na rua, não podem subir a uma árvore, não podem estar sozinhas na praceta ao pé de casa, não veem a cidade a não ser pela carrinha da escola ou pelo automóvel dos pais. Esta educação muito possessiva, muito controladora, é má para o desenvolvimento da criança em termos futuros”, avisa o psiquiatra.
Nas últimas décadas, o modelo de parentalidade alterou-se substancialmente, tornando-se muito menos severo: os pais deixaram de ser tão autoritários, os castigos físicos deixaram de ser admissíveis e a criança passou a ter uma palavra a dizer no seio da família, o que foi uma “conquista muito importante”, salienta o psiquiatra. O problema é que “muitos pais têm hoje dificuldade em definir regras e em exercer a sua autoridade”.
Em muitos casos, passou-se do oito ao oitenta, adotando-se um modelo de parentalidade excessivamente permissivo, o que também tem impactos negativos . “Há pais que deixam as crianças escolherem a escola para onde vão, a que horas dormem ou aquilo que comem. Isso deixa os miúdos completamente ansiosos e perdidos. É pô-los num lugar de decisão que não é deles”, realça a psicóloga Laura Sanches.
Um dos principais problemas tem a ver com a falta de tempo que muitos pais têm para estar com os filhos, o que faz com que por vezes tentem compensar as crianças com prendas exageradas ou que sejam mais permissivos.
“Já tive pais na minha consulta que me dizem, mas eu estou tão pouco tempo com eles, o tempo que estou com eles ainda tenho que estar a dizer não, ainda tenho que estar a ouvir choro, faz parte de ser pai e mãe, não é?”
“Que voz é esta?” é um novo podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento vão dar voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, e ouvir os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, vão falar de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.