Violeta (nome fictício) tinha 21 anos quando foi internada compulsivamente com um primeiro surto psicótico. Estava aos gritos na Avenida da Liberdade, em Lisboa, convencida de que era protagonista de um “Big Brother monumental” e que todas as outras pessoas do mundo a vigiavam e controlavam. A qualquer tentativa de aproximação, reagia com agressividade e violência.
Na adolescência, não partilhava os interesses e as preocupações dos jovens da mesma idade. Inquietava-se profundamente com questões existenciais, como a origem das coisas e o sentido da vida e, progressivamente, começou a isolar-se. O consumo regular de canábis não ajudou. “Acabei por ir cada vez mais além e, de repente, estava metida num buraco”, lembra Violeta, hoje com 43 anos.
Ao primeiro internamento compulsivo seguiram-se, ciclicamente, muitos outros, de que guarda, até hoje, memórias profundamente dolorosas. "A pior coisa do mundo é estar amarrada a uma cama. É uma sensação que ninguém quer ter. É mesmo avassalador”, conta neste episódio do podcast “Que Voz é Esta?”.
Encontrar “a medicação certa, na dose certa” foi um processo longo e difícil, mas hoje Violeta está estável e não tem nenhum surto grave há cinco anos.
“Vivo sozinha, arrumo a minha casa, faço as minhas compras, sou autónoma. Tenho um namorado que não tem nada a ver com problemas de saúde mental. Estou bastante estável e um dos meus objetivos agora, e desde sempre, é tentar chegar aos outros, de maneira que as pessoas percebam que a doença mental é uma doença como outra qualquer", diz.
Ao contrário do que acontecia até há algumas décadas, nomeadamente até ao aparecimento dos primeiros antipsicóticos ainda nos anos 1950 e aos avanços terapêuticos conseguidos depois de 1990, os doentes com esquizofrenia podem hoje “almejar a ter uma vida mais normal”, explica Manuela Silva, investigadora e psiquiatra no Hospital de Santa Maria, igualmente convidada neste episódio.
A medicação é sobretudo eficaz no controlo das alucinações e dos delírios, mas esses não são os únicos sintomas da esquizofrenia. A tendência para o isolamento, a perda de interesse nas atividades do dia a dia e a dificuldade em relacionar-se com os outros e em sentir ou expressar emoções estão também associados a esta doença, que surge tipicamente entre o final da adolescência e o início da idade adulta.
“As pessoas com doença mental grave, concretamente com esquizofrenia, foram estigmatizadas pela sociedade desde sempre. Há uma história pesada de violações dos direitos humanos, de marginalização e de ostracização. Uma história carregada de ignorância, de violência e de impotência da sociedade em gerir estas situações”
Apesar de ser investigada há décadas, as causas da esquizofrenia permanecem relativamente desconhecidas. Sabe-se que é “uma doença do cérebro, essencialmente biológica" e com grande peso hereditário, podendo ser precipitada, em pessoas que tenham essa predisposição, por fatores psicológicos e sociais.
Têm sido estudados alguns fatores de risco, como complicações na gravidez, por exemplo fruto de uma infeção da mãe, malnutrição na primeira infância ou consumo de drogas na juventude, em particular de canábis, mas o funcionamento da doença ainda não é completamente conhecido.
O que se sabe, com cada vez mais evidência, é que o tratamento, hoje, não pode limitar-se apenas ao controlo dos sintomas através da medicação, salienta a psiquiatra. É preciso investir em recursos que potenciem as capacidades dos doentes, apostar no treino cognitivo e num acompanhamento de grande proximidade na comunidade, por equipas multidisciplinares que, além de médicos, psicólogos e assistentes sociais, integrem pessoas com experiência de doença mental. É esse o princípio em que assenta o projeto inovador de intervenção psicossocial para doentes mentais graves no período pós-internamento, coordenado por Manuela Silva e atualmente a ser desenvolvido em três hospitais.
A ideia é potenciar a integração social das pessoas com esquizofrenia, as mais estigmatizadas entre todas as que sofrem de doença mental. “As pessoas com esquizofrenia foram estigmatizadas pela sociedade desde sempre. Há uma história pesada de violações dos direitos humanos, de marginalização e de ostracização. Uma história carregada de ignorância, de violência e de impotência da sociedade em gerir estas situações”, lamenta a psiquiatra.
Violeta já sentiu na pele, por várias vezes, a marca do estigma. “Das piores coisas que se pode chamar a alguém é esquizofrénico. Isso não é correto”, diz. Hoje, através da partilha da sua experiência, tem um papel ativo na recuperação de outros doentes psiquiátricos, contribuindo para o seu empoderamento e auto-estima. A mensagem que lhes passa é aquela que ela própria descobriu: “Apesar das minhas limitações, eu posso sonhar, eu posso ser [uma pessoa]”.
“Que voz é esta?” é um novo podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento vão dar voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, e ouvir os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, vão falar de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.