Apesar do tempo cinzento cometi o erro de ir a uma praia da moda. Para além das filas intermináveis de automóveis novos (qual crise), a praia parecia uma estação de metro japonês em hora de ponta.
Já devia saber que o facto de estar frio e vento é irrelevante. Agosto é o mês da praia e portanto todos os portugueses lá estão. Vestidos e a espirrar, mas na praia.
Neguei-me a voltar para o meio do trânsito ordeiro e resolvi ficar no meio do caos. Ainda bem que o fiz.
A única vantagem de uma praia onde não há sequer espaço para abrir um jornal (tive que ler a Maria) é que acabamos por escutar as conversas dos oito desconhecidos que insistem em partilhar a nossa toalha. Se excluirmos as contratações falhadas do Benfica e o efeito da obra de Soljenitsyne na ordem mundial, não escutei muitas conversas interessantes. Mas o que ouvi permitiu-me descobrir a existência de uma nova vertente do marketing.
Somos o povo mais pessimista da Europa. Não temos orgulho no nosso PIB, nos nossos atletas, na nossa História. Tudo é mau demais. Excepto os nossos filhos. Os portugueses são os pais mais babados da Europa, do Mundo e até de Marte, se entretanto a sonda encontrar vida por lá. Não há rebento inglês, espanhol ou sueco que chegue aos calcanhares dos nossos. Só os holandeses é que se aproximam e porque são altos.
A primeira ecografia assinala o início do marketing paternal. A forma como os portugueses elogiam os seus filhos devia ser objecto de estudo em alguns cursos em publicidade. E já agora em psicologia. O primeiro destinatário é o próprio médico.
- Então doutor, já viu algum coração com três meses a bater com essa força? Aposto que nunca viu...
- Hoje ainda não porque é a primeira ecografia que faço - não respondeu o médico.
Os encómios continuam fora do consultório:
- O meu filho dá com cada coice... O médico disse que nunca tinha visto nada assim.
- E o meu? A médica assustou-se quando passou o scanner. Até parece que tem três pernas...
Brejeirices à parte, os filhos podem não passar de pequenos feijões mas já dão pontapés como o Ronaldo, escutam Mozart e só adormecem a ver o People&Arts.
Podia pensar-se que era do excitamento da paternidade, mas não. A apologia não diminui com o nascimento, muito pelo contrário.
- Ah, a minha filha começou a andar sozinha aos seis meses.
- Grande coisa, a minha faz cocó sozinha desde que nasceu...
Deitado na toalha vou ouvindo as proezas dos pequenos génios relatadas ao pormenor. E para aqueles (não eu) que pudessem duvidar de algumas afirmações aparece invariavelmente a frase que se tornou num verdadeiro atestado de veracidade:
- Não é por ser minha filha mas...
Qualquer disparate pode ser proferido, qualquer exagero passa a ser permitido desde que antecipadamente se tenha dito: "Não é por ser
minha filha."
- Não é por ser meu filho mas começou a falar ao telemóvel antes de saber falar...
- Não é por ser minha filha mas desde os três meses que enuncia a teoria da relatividade.
- Não é por ser minha filha mas percebe todas as línguas europeias, algumas asiáticas e duas amazónicas...
Estranhamente, ninguém ousa duvidar. Ninguém põe em causa a imparcialidade. Ninguém se atreve a questionar. Se vem precedida da
frase "não é por ser minha filha", torna-se um facto.
O marketing devia aproveitar este insight.
Os publicitários deveriam poder recorrer a uma qualquer frase que transformasse na mais pura das verdade as suas opiniões.
- Não é por ser um perfume feito por nós mas cheira melhor que os outros.
- Não é por ser o meu automóvel mas dá mais status que os outros. E os consumidores deviam acreditar piamente em tudo. Tinha menos piada mas era tão mais fácil.
(Não é por ser minha filha mas esta crónica é espectacular.)
Nuno Presa Cardoso, CCO do WYGroup