Sofia Galvão

Programa de Governo ou talvez não

Portugal precisa de abandonar as irrelevâncias do seu quotidiano para se impor desafios a médio prazo. E precisa de acreditar que pode converter-se numa nação vencedora num mundo global.

Sofia Galvão (www.expresso.pt)

Tem-se por adquirido que o actual quadro competitivo internacional encerra uma complexidade e uma exigência crescentes. No entanto, no que nos diz respeito, a consequência política dessa constatação está longe de ser óbvia.

Ora, o impasse é preocupante na medida em que se intui que apenas poderão ter sucesso os países com uma atitude fortemente focada no futuro e uma interpretação o mais correcta possível das tendências das próximas décadas.

Neste contexto, é suicidário que continuemos a recusar a definição de uma agenda política projectada no rumo a seguir. Por um lado, porque é iniludível que quando concorremos - e concorremos cada vez mais - com os melhores ou nos tornamos como eles ou ficamos para trás. Por outro lado, porque a emergência de um número alargado de países menos desenvolvidos que nós, forçados a percorrer etapas que já percorremos, aumenta enormemente a probabilidade de que tais países disputem connosco o mesmo universo de recursos.

Ou seja, se nada mudarmos, continuaremos a perder e a empobrecer.

Por tudo, Portugal precisa de abandonar as irrelevâncias de que vai fazendo o seu quotidiano colectivo para se impor desafios de médio prazo. E precisa de acreditar que pode converter-se numa nação vencedora no mundo global.

Sem dar este passo, continuará enredado nos mesmos problemas de sempre. Um país adiado, desorientado, exaurido, sem ambição.

Certas tendências económicas parecem, hoje, irreversíveis: realinhamento mundial para o Oriente/Pacífico, reforço da importância dos BRIC, aumento da pressão sobre as economias ocidentais pelo crescimento simultâneo e disseminado das economias emergentes. Mas tal irreversibilidade implica enormes oportunidades.

Em Portugal, este mundo novo já é sentido e vivido por muitos. Em cada vez mais sectores, procura-se fora a resposta (e a escala) que o estreito espaço nacional não permite. Simplesmente, por demissão política, não há uma visão integrada desse movimento. O país não assumiu uma leitura dos dados e não enquadrou a sequência.

Afinal, o que os portugueses fazem, dentro ou fora, é atomisticamente decidido, em função de uma lógica individual ou empresarial que nada liga ao projecto de Portugal como país. Falta a argamassa política capaz de garantir ao processo um sentido colectivo.

Em tempo de discussão de programa de Governo, quando se pensa a legislatura, não deveriam ser estes os temas centrais do debate político em Portugal? Não deveria ser esta a modernidade de qualquer primeiro-ministro recém-eleito?

Sofia Galvão 

Texto publicado na edição do Expresso de 7 de Novembro de 2009