Eu vou votar no PSD e em Paulo Rangel. Gostava que a maioria dos eleitores o fizesse também. Mas, antes disso, gostava que os portugueses votassem. Votassem, pura e simplesmente. Gostava que sentissem que valia a pena, que preferissem o voto à praia e ao descanso. Que saíssem de casa para exercer, cívica e democraticamente, o seu direito de escolher. Trinta e cinco anos depois, gostava que a abstenção não desmentisse a esperança renascida em Abril, a partir desse poder fundamental de determinar o destino colectivo.
Mas tenho dúvidas. Até porque nem todos ajudam.
Vital Moreira é, neste aspecto, o pior dos exemplos. Não sei se obedecendo a conselhos tácticos de outros, se por seu livre alvedrio, a verdade é que se dedica ao mais difícil dos exercícios. Depois do atabalhoamento inicial e da frustrada tentativa de tornar o debate eleitoral imune à discussão dos temas internos, Vital Moreira pretende o impensável. Em matéria europeia, arroga-se o direito a um pensamento autónomo e a propostas próprias, à revelia da agenda e das opções do partido cuja lista encabeça. Em matéria interna, assume-se como o mais indefectível arauto das virtudes da governação. Uma cruzada a duas vozes, para português ver, feita pela metade, num faz-de-conta encenado.
Como pano de fundo deste tempo eleitoral, uma crise grave. Uma crise que encontra um país cansado de uma política fechada sobre si própria, que à discussão das ideias e soluções tende a preferir as manobras de diversão, os remoques de circunstância e os epifenómenos inconsequentes. Uma crise que encontra um país farto de propaganda e de proselitismo.
Ora, eleições em crise constituem um poderoso apelo à pedagogia da democracia. Nesse sentido, seria importante que recuperássemos seriedade e exigíssemos uma política com outro nível, outra substância e outros valores. Por outras palavras, que deixássemos de falar em recados, que abandonássemos a dissimulação dos registos subliminares, que não malbaratássemos energias em eternos jogos de sombras.
Aliás, a propósito, uma vez assumido o desígnio de fazer coincidir os discursos do cabeça-de-lista e do Governo sobre política interna, o momento talvez recomendasse que Vital Moreira se eximisse de considerações que só podem embaraçar os desagravos do primeiro-ministro. Entrever "tentações presidencialistas" em Belém e confessar "sérias perplexidades sobre o modo como Cavaco Silva encara a sua missão" (Público, 14-4-09) são, nesta fase, desabafos escusadamente incómodos. José Sócrates dispensá-los-ia. E o país também.
Quando os dados disponíveis apontam para uma abstenção tristemente histórica, nada disto é irrelevante, nada disto é despiciendo.