Um ano depois, e como testemunho que fica, partilho a minha apreensão. Com o país, com a falta de futuro que lhe vejo e com o estado de alma colectivo.
Podemos entreter-nos com a espuma dos dias e podemos até fingir que ela nos basta. Mas, quando a lucidez importa e se pede à inteligência que não abdique dela, chega uma hora em que a verdade se impõe. E, então, desencantadamente, confrontamo-nos com uma realidade dura e sombria.
O ar português é, hoje, doentio. A política não convoca e não motiva. A economia estiola, sem rumo, confiança ou horizontes. A sociedade ressente-se, cada vez mais tensa e desigual.
Na rua, o clima é estranho e dúplice. No fundo de cada um, sente-se a inquietação. Nada transmite alegria ou esperança. Há medo do amanhã e do que ele pode trazer de pior. Ninguém está seguro. A vida interiorizou um desconhecido sentido de precariedade. Mas, paralelamente, insensível ao sofrimento e à dificuldade de tantos, a cultura dominante incensa a frivolidade. Com o solícito apoio dos media, apela ao consumo, à festa, ao prazer, ao imediato, à exibição, ao novo-riquismo. É quase um convite desesperado a que se faça e gaste enquanto há... Como é também sinal de um tempo novo, em que o egoísmo se revela eficaz garantia de imunidade aos males alheios.
Tal como está, Portugal não inspira e não agrega. Muitos dos melhores saíram. Muitos dos melhores saem. Novos e menos novos. A maior parte não conseguiu e não consegue voltar. Falta trabalho, faltam oportunidades, falta espaço. Falta, sobretudo, liderança capaz de mobilizar no sentido da construção colectiva do país.
Paulatinamente, perante uma generalizada passividade, tudo se degradou. No espaço público, a encenação desalojou a qualidade. E a exigência moral entrou em crise. Causas, valores e princípios perderam adeptos em nome de um hedonismo radicado na indiferença, na ligeireza e na facilidade.
Só a mudança nos devolverá o futuro. Mas uma mudança real, efectiva, transformadora. É preciso assumir rupturas. Não se edifica solidamente em cima de falsas pontes ou uniões. Precisamos de protagonistas sérios e consistentes. Gente que seja exemplo e referência. Precisamos de elevar padrões e de recuperar ambição. Precisamos de um novo discurso e de uma nova visão. Precisamos de novos métodos. Precisamos de sentido de missão e da experiência generosa do serviço. Precisamos de quem sinta o apelo profundo da história. Precisamos de puxar pelo Portugal bom que aí está, ávido de melhor.
2010 pode bem ser o ano em que Portugal ficará a conhecer aquele que há-de ser o seu próximo primeiro-ministro. E é por isso que, na perspectiva da mudança que urge, será tão importante sindicar atentamente essa escolha.
Bom ano!
Texto publicado na edição do Expresso de 31 de Dezembro de 2009