Paulo Querido

O "fim do Twitter" e os apocalipses da cibercultura (act.)

Num movimento uniformemente acelerado que levou o assunto de curiosidade geek a notícia pesada nos jornais, o Twitpocalypse virou um fenómeno. Há muitos anos que não tínhamos um bug do milénio à mão de semear, o que era uma pena, mas desconfio que o que torna este marco particularmente apetitoso é a hábil junção dos termos "twitter" e "apocalipse" - duas palavras só por si irresistíveis para o jornalismo que vamos tendo, tanto o profissional como o amador.

Falou-se tanto que, como costuma acontecer nestas escaladas de interesse, a esta hora anuncia-se pura e simplesmente "o fim do Twitter". O facto de tal não ser mencionado no site original, sempre citado (www.twitpocalypse.com), não desencoraja ninguém - defensores do rigor incluídos.



Em primeiro lugar, convém LER o que diz o site. Não é o Twitter que corre o risco de apocalipse. Lamento destacar a verdade a bold, mas é mesmo assim.

Eventualmente, talvez possam vir a acontecer alguns problemas com alguns, não se sabe quais ou quantos, serviços que talvez não estejam preparados, não se faz a mínima ideia sobre se estão ou não, para um problema que não se sabe se constitui, ou não, algum tipo de ameaça: a representação de números integrais nos sistemas informáticos que usem cadeias de 32 bits.



Não vou maçá-los com explicações, que podem ser encontradas em http://en.wikipedia.org/wiki/Integer_(computer_science) e sobretudo http://en.wikipedia.org/wiki/2147483647, o famoso número que será ultrapassado algures amanhã de manhã, pela hora portuguesa.



Cada tweet tem um número de identificação, sequencial, e aquele "limite" é atingido dentro de algumas horas. O complexo informático em que assenta o Twitter não corre nenhum tipo de risco pois não depende de cadeias de 32 bits. Mas algumas aplicações de terceiros - o sucesso do Twitter está conjugado com um vasto conjunto de aplicações que dele se alimentam e o alimentam - teoricamente podem ser afectadas, dependendo de como estão as suas bases de dados arquitectadas.



A "fragilidade" é de fácil superação.



O mais provável é ninguém ser afectado, quer use o browser para tweetar, quer prefira as aplicações para desktop ou para telemóvel. Duvido que alguém venha, sequer, a reparar!

O Twitpocalypse é, contudo, mais um marco da cibercultura. Veio juntar-se a outros, como o famoso bug do Milénio (o bug do ano 2000), em que se previu um apocalise de consequências planetárias, com aviões a cair e as bolsas descontroladas, mas nada aconteceu; ou mais recentemente o PiDay (ver www.piday.org ou http://en.wikipedia.org/wiki/Pi_Day), e, no futuro, o problema do ano 2038, que aliás está directamente relacionado com o Twitpocalypse (ver http://en.wikipedia.org/wiki/Year_2038_problem).

ACTUALIZAÇÃO: No quartel do Twitter decidiram antecipar o momento da passagem do tweet com o número 2.147.483.647. Adivinhem: o mundo não acabou, o Twitter não acabou e o que de mais significativo ocorreu foi o desaparecimento do assunto da pesquisa em tempo real. O site passou a mostrar o momento e o tweet que marca a viragem. Foi às 00:52 de sábado, hora de Lisboa, e veio da conta @nk: The Tweets must flow. http://bit.ly/Khk7(aqui).

Paulo Querido, jornalista. Siga-me no Twitter.