O mundo dos outros

'Perestroika'

No tempo da ameaça soviética, os banqueiros portavam-se melhor, disse esquerdista meu amigo entendido em finanças. Os banqueiros e o resto, acrescentou. Com separação de Igreja e Estado há muito que não havia temor a Deus (mesmo onde luzisse o verniz da ética protestante); quando deixou de haver medo do comunismo a moralidade pública aligeirou mais ainda.

Perguntei a óptima cabeça de negócios que conheço como é que se saía disto. Respondeu "quem te disser que sabe está a mentir. Isto é a nossa perestroika". (Por outras palavras, é impossível prever onde se acabará; Gorbatchov não queria destruir o comunismo, só queria reformá-lo). "Não sabemos se a avalancha já chegou ao fim ou se ainda vai a meio da encosta. Uma coisa é certa: a economia não é uma ciência e os economistas não sabem prever nem resolver nada".

"Assistimos ao regresso do Estado. Em Inglaterra as pessoas tiram dinheiro de bancos privados e depositam-no no Northern Rock, nacionalizado há meses porque o Governo inglês teve de o ir salvar".

"A natureza das relações entre bancos e clientes dá à crise irracionalidade inevitável, por isso as Bolsas continuam a descer, a confiança a esvair-se e a recessão a chegar. Quando tudo acalmar terão de se mudar as regras".

"Bush não soube convencer. Se não se avançasse com o plano de salvamento agora - 700 milhões de milhões de dólares (2300 dólares pedidos a cada americano) - ter-se-ia de acudir depois em condições muito piores. Mas é preciso falar às pessoas de maneira que elas entendam e Bush não foi capaz. Causou a trapalhada no Congresso e atrasou a saída do buraco. Não foi capaz porque é um mau político e a política está de volta".

"Política, polis, gente" sublinhou. "Gente como tu ou eu, não abstracções do universo virtual em que as casas na América nunca parariam de subir de preço e toda a gente iria ficando cada vez mais rica mas que, em vez disso, escavacou o sistema financeiro apanhando de caminho milhares de inocentes. No rescaldo da tormenta os políticos deverão pedir contas aos nomes da banca e da finança que entraram naquela conversa de D. Branca e aos governantes que a deixaram correr".

O meu amigo desligou porque já ia atrasado para almoço com um ministro. É bom a política estar de volta. A economia e a finança de cada Estado-membro da União estão muito mais entrosadas com as de outros Estados-membros do que os regimes reguladores respectivos e são precisas urgentemente políticas que dêem a este pólo do mundo agilidade para aguentar a concorrência. Tão perto de governação comum quanto orgulhos nacionais consentirem. O mundo multipolar não tem, ao contrário do que alguns sonhavam, uma Europa virtuosa a mandar, livre de pecados americanos. Outros pólos - China, Índia, Brasil, Japão - irão roubar terreno aos europeus e a estratégia destes exigirá reforço do elo transatlântico.

Duas prendas, embrulhadas juntas, neste bolo-rei mofo. O petróleo baixou de preço e a bazófia russa ficou de monco caído.

José Cutileiro