Luís Fernando Veríssimo

O princípio da incerteza

Luís Fernando Veríssimo (www.expresso.pt)

O professor virou-se e viu que a Sandrinha não estava escrevendo. Todos na aula copiavam o que o professor tinha escrito no quadro negro, menos a Sandrinha. A Sandrinha estava dobrando e alisando um pedaço de papel.

- Dona Sandra, o que é que a senhora está fazendo? - perguntou o professor.

- Um aviãozinho, professor.

- Dona Sandra, eu pedi para copiarem o que eu estou escrevendo no quadro negro sobre a teoria da incerteza de Heisenberg.

- Eu sei, professor. Mas eu estou preparando uma experiência prática sobre o mesmo assunto.

- Nossa aula hoje é sobre física quântica, dona Sandra.

- A minha experiência também.

O professor tinha desenvolvido uma táctica para lidar com a Sandrinha. Para não explodir, contava até três. Desta vez, contou até seis. Depois perguntou:

- E o que é que a sua experiência tem a ver com o princípio da incerteza de Heisenberg, dona Sandra?

- Quando o aviãozinho ficar pronto, vou atirar para o alto, sem saber onde ele vai cair. Se bater em alguém, ou cair próximo de alguém, é a pessoa que eu vou namorar neste trimestre.

Por um momento, o único ruído ouvido na sala foi o do riso abafado. Desta vez, pensaram todos, a Sandrinha conseguiria. O professor perderia o controlo.

Atiraria a Sandrinha pela janela. Ou ele se atiraria pela janela. De qualquer maneira, haveria uma explosão. Mas o professor manteve o controlo, depois de contar até dez.

- E se cair perto de uma pessoa do sexo feminino, dona Sandra?

- Não tenho preconceito, professor.

- Só não entendi o que é que o seu aviãozinho tem a ver com a teoria de Heisenberg.

- A incerteza. Ninguém sabe onde ele vai cair.

- Não, dona Sandra. É muito mais complexo do que isso. É...

- A teoria não diz que a acção humana interfere na observação das partículas subatómicas? E que, por isso, a medição dos seus movimentos é sempre incerta? Pois eu posso direccionar o meu aviãozinho para um lado que me interessa. Ele vai dar voltas no ar, mas a sua trajectória não será inteiramente aleatória. A minha vontade vai influir no seu destino. Pronto. Uma aula prática, professor.

O professor fechou os olhos. Um, dois, três, quatro...

- Faça o que quiser, dona Sandra. Vou continuar dando a minha aula.

Voltou para o quadro negro e continuou a escrever. Dali a pouco, ouviu uma agitação nas suas costas. O aviãozinho da Sandrinha tinha descolado. Virou-se a tempo de receber o aviãozinho no peito. E ouvir a voz da Sandrinha:

- O senhor é casado, professor?

Texto publicado na edição do Actual de 31 de Dezembro de 2009