A ideia era cada um descrever o seu melhor momento. O ponto mais alto de sua vida, diferente de tudo o que viera antes e de tudo o que viria depois. Sua apoteose pessoal.

Um contou que o seu melhor momento fora terminar um elefante de argila numa aula de Trabalhos Manuais. Lembra Trabalhos Manuais? Tinha sete ou oito anos. O elefante de argila ficara bom. Feito de memória, até que ficara muito bom. Nada na vida o deixara tão contente como aquele elefante de argila.

A Bela contou:  "Foi a primeira vez que acertei um pudim. Minha mãe vivia dizendo que eu não acertava o pudim porque era muito nervosa. Fazia tudo certo, não errava nos ingredientes, não errava na mistura, mas de alguma maneira meu nervosismo se transmitia ao pudim e o pudim desandava. O pudim também ficava nervoso. No dia em que acertei o pudim tive uma crise de choro. Saí da cozinha para não influenciar o pudim, que poderia ter uma recaída. Mas na mesa, quando minha mãe disse 'O pudim é da Bela' e todo o mundo aplaudiu, meu Deus do céu... Nunca mais senti a mesma coisa. Nem quando nasceram os gémeos. Nunca mais. "

Já outra disse que nada se igualara a ter o primeiro filho.  "Olha aí, até hoje não posso contar que me emociono. E o engraçado é que foi um sentimento extremamente egoísta. Me enterneci por mim mesma. Eu olhava aquela coisinha, tão bem feitinha, e me achava formidável, até ficava com ciúmes quando só elogiavam o bebé. Eu é que queria festa. Queria dizer 'fui eu, fui eu, ele é apenas o produto da minha genialidade'. No meu marido, coitado, eu nem pensava. Ele não tinha nada a ver com aquilo. E eu não deixei ele acompanhar o parto. Sempre considerei pai acompanhando parto uma espécie de penetra. Alguém querendo participar de uma glória que não merece, como prefeito inaugurando obra da administração anterior. A glória era só minha. Aliás, em todo o processo de procriação, parto, essas coisas, o homem é um penetra. Sem duplo sentido, claro. O primeiro filho. Sem dúvida nenhuma, o primeiro filho... Depois, o desgraçado cresceu e foi aquilo que todo o mundo sabe."

Para outro, foi a formatura o maior momento. Outro, o primeiro caso. Não, não o primeiro caso, assim, caso. O primeiro caso como advogado! Outro contou que o seu maior momento fora a vez em que acertara uma bicicleta no futebol.  "Nunca tinha tentado uma bicicleta antes, mas do jeito que a bola veio não havia alternativa. Fechei os olhos e fiz o que tinha visto outros fazerem. Atirei-me para trás, pedalei no ar e senti o segundo pé acertar a bola. Quando me levantei do chão vi que a bola tinha entrado no ângulo da goleira. Não havia plateia para aplaudir, era um jogo de praia. O goleiro adversário, ressentido, só disse 'Sorte'. Meus companheiros de time também não se entusiasmaram muito com o lance. Não me conheciam, eu tinha sido escalado porque estava passando e faltava jogador. Já me resignara à comemoração solitária do meu feito, pelo resto da vida, quando vi o garoto que vendia picolé na praia olhando para mim e sorrindo. O garoto estava sentado na sua caixa de isopor e quando me viu olhando para ele levantou o dedão num sinal de positivo. Minha bicicleta tinha sido vista e aprovada. A única posteridade do meu lance é aquele vendedor de picolé, que já deve ter-se esquecido. Mas eu não esqueci. Nunca me orgulhei tanto de alguma coisa como daquela bicicleta. Bem no ângulo. "

Em seguida foi a vez da Thais, e a Thais arrasou. Contou como foi a sua apoteose. A justificativa da sua existência, o prémio final por todo o seu empenho em viver com bom gosto e gastar o dinheiro do Gegê com inteligência. Foi a vez em que entrou no café do Hotel Carlyle, de Nova Iorque, no meio do  "show " do Bobby Short, acompanhada por uns brasileiros que nunca tinham conseguido entrar no lugar, e quando a viu o Bobby exclamou:  "Thais "! Para completar a humilhação, Thais contou que Bobby Short pronunciou o  "agá " do seu nome.

Luís Fernando Veríssimo