(Da série Diálogos Impossíveis)
Albert Einstein e sua mulher Mileva viveram separados durante cinco anos antes de se divorciarem, em 1919. Foi Einstein que telefonou para Mileva para dizer que queria o divórcio.
- Albert. Que bom ouvir a sua voz!
- Como vai você, Mile?
- Bem, bem. E você vai muito bem, não é, Albert? Está famoso, é chamado de génio...
- O pessoal exagera um pouco.
- E a nossa separação, Albert? Quanto tempo ainda vai durar?
- Era sobre isso que eu queria falar com você, Mile. Acho que nós devíamos nos divorciar.
- Divórcio, Albert? Depois de tudo o que nós passámos juntos?
- Mileva...
- Lembra quando nos conhecemos na Polytechnische de Zurique? Nós dois estudando matemática e física?
- Lembro, Mile. Você era até melhor aluna do que eu.
- Lembra do nosso casamento, em 1903?
- Claro.
- Lembra de 1905?
- Como esquecer? O ano miraculoso em que foram publicadas as quatro teses que revolucionaram a física e fizeram a minha reputação. E você estava ao meu lado.
- E tudo isso não significa nada para você?
- Significa, Mile. Mas acabou. Acho que o divórcio vai ser melhor para nós os dois.
- Para você, certamente.
- Mileva, não seja assim...
- Agora você vai poder se casar com a Elsa. Não é isso que você quer? Ou pensa que eu não sabia do caso de vocês, mesmo quando ainda estávamos juntos? Elsa, Albert... A sua própria prima!
- Eu esperava que você fosse mais compreensiva, Mile.
- Eu sou compreensiva, Albert. Não sei se a Elsa vai ser tão compreensiva quanto eu fui.
- Ela me ama e me apoia.
- Mas será que ela faria o sacrifício que eu fiz para que o nosso casamento desse certo?
- Que sacrifício?
- Você esqueceu como eu fui compreensiva quando aceitei que você assinasse os quatro artigos revolucionários que eu escrevi, sozinha, e levasse toda a glória? Eu não esqueci.
- Depois daqueles artigos, publiquei muitos outros igualmente importantes, Mile.
- Como aqueles, não, Albert. Aqueles fizeram história. Aqueles mudaram o modo de pensar sobre o Universo. A ciência nunca mais foi a mesma depois dos quatro artigos publicados em 1905. Dos meus quatro artigos.
- Eu nunca neguei a sua capacidade.
- Mas o mundo nunca ficou sabendo, não é, Albert? Talvez agora seja a hora de saber...
- Você está me chantageando, Mileva?
- Não. Só estou pensando em reparar uma injustiça.
- Você se lembra porque é que eu quis assinar os artigos, em vez de você?
- Lembro. Você disse que ninguém acreditaria que eles tinham sido escritos por uma mulher. E eu, compreensiva, para não ameaçar o nosso casamento, concordei.
- E você acha que hoje, em 1919, seria diferente de 1905, Mileva? Ninguém vai acreditar que você é a autora dos artigos. Vão dizer que é uma invenção vingativa de uma mulher despeitada. Para aceitarem que uma mulher possa ser um génio da física como um homem é preciso que passe muito tempo ainda. Você esqueceu a importância do tempo na sua própria teoria, Mile?
- Eu sei, tudo é relativo, e o tempo mais do que tudo. Mas, se houvesse um confronto entre nós os dois para saber quem está falando a verdade, eu provaria a minha autoria. Você nunca entendeu muito bem as minhas teorias, não é, Alfred?
- Mile, você faria isso? Só para evitar que eu casasse com a Elsa?
- Não, Albert. Fique com a sua reputação, com o seu génio e com a sua Elsa. Eu não faria isso. Eu continuo uma mulher compreensiva. Injustiçada, despeitada, mas compreensiva.
- Você me perdoa, Mile?
- Talvez com o tempo, Albert.
Texto publicado na edição do Actual de 10 de Julho de 2010