Na e da 'crise' do império surge um chefe militar salvador. É o herói imperial - Clyde, Dupleix, Mouzinho - um soldado exemplar que, com uma campanha ou um feito simbólico, pára a decadência. Ou um chefe de guerra que toma o poder no centro - César e Franco. Ou um equívoco, Spínola. E há um personagem assim na SCF - o Bell Riose, da saga de Asimov - 'Fundação e Império'.
Os Estados Unidos, apesar da tradição republicana, não ficaram imunes. Foram fundados por um soldado, Washington, continuados e acrescentados por outros, como Andrew Jackson; tiveram MacArthur, que fez tremer Washington. Já Eisenhower e Marshall eram outra loiça. Certinhos.
O general David Petraeus, comandante-em-chefe americano no Iraque, tem carisma, inteligência, bravura, cultura. Distinguiu-se em campanha em 2003. É também considerado o protótipo do guerreiro 'intelectual'.
Vem a calhar. Está agora perante o Congresso, a tentar evitar o caos que uma retirada incondicional, provocará. A sua missão é (quase) impossível. A invasão do Iraque e a ideia peregrina de transformar a ditadura socialista, laica e republicana, de Saddam Hussein, numa democracia exemplar vai ficar como uma das maiores enormidades da História. Ao trocar o realismo de George H. Bush e o idealismo sólido (e também realista) de Ronald Reagan, pelas miragens interessadas dos neoconservadores - George W. Bush não só destruiu a coligação de direita feita por Reagan nos anos 80, como atirou os EUA para um dilema trágico.
O Iraque não é um Estado nacional. É uma colagem contemporânea, inventada pelo sistema imperial inglês, a contar com a força dos líderes. Na democracia parte-se, como se partiram a Jugoslávia e os Balcãs e só sobreviveu a Rússia porque Putin, com a larga experiência da 'casa' onde trabalhou, soube equilibrá-la com nacionalismo e autoridade.
Petraeus é, como Massu em Argel, um homem da 23ª hora; pedem-lhe o milagre de colar os cacos da fragmentação da sociedade iraquiana. Note-se que, onde se puseram de parte as regras da correcção política e os comandantes americanos trabalharam directamente com os "sheiks" e os chefes dos Hagiras locais e americanos e iraquianos combatem a Al-Qaeda. Até em Bagdade, se conseguiram sucessos, e conter os números do terrorismo. Com os reforços chegados, Petraeus abrandou o ritmo do relógio fatal, mas não o parou.
Mas será possível, sob a pressão do Congresso e dos "media", com o saco de gatos da 'democracia' iraquiana, com um Exército iraquiano licenciado por alta recreação dos zelotas de Washington, e a fazer de zero, com polícias e milícias sectárias, com os terroristas da Al-Qaeda à solta, cumprir a missão?
O cepticismo está tão de moda, tornou-se tão chique e correcto que a mim, que sou um pessimista antropológico, já me irrita. Petraeus tem boa cara, os americanos são 'fixes', um desastre deles no Iraque é mau para os 'bons' da fita. Vamos, "malgré tout", torcer para dar a volta por cima!
Jaime Nogueira Pinto