Jonathan Barry Prendergast, que morreu de ataque de coração na sua casa à beira-mar da costa norte de Long Island (a parte do mundo onde Scott Fitzgerald fizera Gatsby passar os seus últimos anos), Nova Iorque, na qual vivia com a sua quarta mulher e o filho adolescente de ambos, no passado domingo, dia 30 de Janeiro, nascera em Iorque, no norte de Inglaterra, a mãe que era pianista clássica e o pai projeccionista de cinema, mais tarde proprietário de uma cadeia de oito cinemas na região; começara aos nove anos a aprender piano e aos dezasseis também trompete e durante a infância fora todos os sábados ao cinema, levando consigo um pequeno caderno onde tomava notas do que ia vendo e ouvindo (a recordação mais antiga que guardaria seria a de um desenho animado do Pato Donald, visto no Rialto, em Iorque) e esses anos antes de entrar para o liceu e começar a tocar em grupos (em 1957 viria a criar o seu, "The John Barry Seven") continham, em anúncio do que viria a ser a sua intensidade futura, as duas paixões que lhe dominariam toda a vida profissional e lhe trariam fama (e proveito): a música, que compôs, interpretou e dirigiu, e os filmes - longas e curtas metragens, documentários e ficções, sucessos (e alguns falhanços) de estima e de bilheteira; só longas metragens foram 53 - pelas quais receberia ao longo dos anos cinco Óscares e que fariam dele um nome conhecido e admirado embora não fossem tanto eles (ganhos, dois com o filme "Born Free" (1966) e um cada com os filmes "Um Leão no Inverno" (1968), "África Minha" (1985), e "Danças com Lobos" (1990) quanto a música para onze filmes de James Bond, parte integrante do seu ambiente estilizado de espionagem, sexo, machismo e violência tal como, para os mais bem sucedidos deles, fora também parte integrante a presença do actor-ícone Sean Connery. Alguns dos temas - como, por exemplo, o de "Goldfinger" - estão em muitas das nossas cabeças mas o tema de James Bond que abre todos os filmes desde "Dr. No" e que muita gente também guarda na memória, é de autoria controversa. Barry sempre afirmou que o escrevera ele sobre meia dúzia de notas de outro compositor, Monty Norman, o qual pretendia ter contribuído para o tema com muito mais do que isso. Por duas vezes tribunais ingleses deram razão a Norman mas Barry nunca se convenceu e, seja como for, os outros temas dos filmes e todas as orquestrações são sem qualquer dúvida suas.
Escrever música de filmes é uma maneira especial de escrever música. Barry, que considerava música e poesia inexoravelmente ligadas, procurava ir ao fundo do enredo, às vezes além do que os actores tivessem tirado dele. Um caso exemplar é o de "África Minha", em que Meryl Streep e Robert Redford contracenam com entendimentos tão diferentes do livro da escritora dinamarquesa Karen Blixen em que o filme se baseia que só a mão astuta e segura do realizador Sydney Pollack dá coerência ao filme. Num programa sobre este, o realizador disse à BBC: "A música deu ao filme dimensão maior do que ele tinha. Deu ao filme uma verdadeira ressonância romântica". Perguntaram mais tarde a Barry que achava ele do comentário de Pollack. "É possível", foi a resposta. "Num filme de James Bond, a música segue a acção. É essa a sua glória - num filme de Bond a subtileza não é uma virtude". Noutros era diferente. "Em 'África Minha' vi imagens de alguns momentos da história de amor e foi para isso que escrevi a música, à altura da comunicação entre os dois personagens. Escrevi a música não sobre a acção mas sobre o sentimento".
Viveu intensamente a Londres dos anos 60 e 70. Os seus três primeiros casamentos, curtos, foram com mulheres muito novas. (A segunda, Jane Birkin, disse que ainda era virgem). Teve problemas com o fisco em Inglaterra que levaram anos a resolver. Em Hollywood, por não querer entrar num filme, pediu preço exorbitante. O produtor aceitou e John Barry passou a ser o compositor de música de filmes mais bem pago da cidade.
Nota: José Cutileiro escreve de acordo com a antiga ortografia
Texto publicado na edição do Expresso de 5 de fevereiro de 2011