Arabella Spencer Churchill, que morreu serenamente de um cancro no pâncreas na sua casa de Glastonbury, em Somerset, na véspera do solstício de Dezembro, fundara em 1971 o Festival de Glastonbury que se viria a tornar o maior acontecimento anual, ao ar livre, de música e artes do espectáculo da Europa, uma espécie de Woodstock em melhor, deste lado do Atlântico, com começos "hippies" anarquizantes e contraculturais muito marcados e onde grandes artistas dos vários géneros se apresentam: em 1971 tinham lá ido Melanie, David Bowie e Joan Baez e, desde então até hoje, a qualidade e o gosto da inovação não baixaram. Para Arabella, 1971 fora um ano decisivo, o ano em que a máscara de menina de sociedade escorregara e a máscara esquerdista e libertária fora posta.
Tinha sido a neta preferida de Winston Churchill, desaparecido aos 91 anos quando ela tinha 15, coberto de glória e da veneração dos seus compatriotas por, combatendo as circunstâncias mais adversas, ter levado a Grã-Bretanha à vitória sobre Hitler. A sua reputação era tal que, quase quarenta anos depois da sua morte, foi considerado o maior inglês de todos os tempos. Neta e avô davam-se como Deus com os anjos: o velho gostava de lhe mostrar documentários do tempo da guerra e emocionava-se tanto que rosnava de vez em quando "bloody nazis!" (filhos da mãe dos nazis). A memória dele ficou gravada no coração de Arabella.
"Tenho imenso orgulho no meu avô e espero que ele tivesse orgulho em mim. Mas não tinha jeito para ser uma Churchill. As pessoas nunca me viam a mim. Não ajuda muito a ter confiança em si própria", dissera há poucos meses numa entrevista. Ser Churchill, ainda por cima, não era só ser neta do gigante que ganhara a guerra de 1939-45. Sir Winston era neto do 7.° duque de Marlborough; o primeiro do título, John Spencer Churchill, comandara o exército que batera decisivamente os franceses de Luís XIV na batalha de Blenheim em 1704, durante a Guerra da Sucessão de Espanha. Arabella pertencia assim a uma das grandes linhagens aristocráticas do país - país que é uma monarquia, onde a aristocracia tem existência legal, influência social e alguns aristocratas, só por tal o serem, têm ainda hoje posição política privilegiada.
Tudo começara segundo as convenções. Arabella era filha do único filho de Churchill, Randolph, e da sua segunda mulher, filha de um general condecoradíssimo. Os pais davam-se pessimamente (Randolph era tão má rês que, quando depois de grande susto foi operado a um tumor benigno, alguém comentou que lhe tinham tirado a única coisa benigna que havia nele), mas a pequena fora mandada para os colégios para onde se deviam mandar as meninas conhecidas. Nesse tempo celebravam-se ainda bailes de debutantes a sério; em 1967 Arabella foi declarada debutante do ano e apareceu fotografada nas revistas tontas. Os pais esperavam poder casá-la bem: de vez em quando, só meio a brincar, Randolph protestava: "Mais um duque que casou - os bons partidos vão-se todos". Em 1971 deu-se a ruptura. Convidada pela cidade de Norfolk, Virgínia, para ser 'a azálea do ano' numa festa de homenagem à NATO celebrada desde 1953, Arabela não só recusou como condenou a intervenção americana no Vietname e o belicismo dos dois blocos. Horrorizada, a mãe disse-lhe: "Se a menina não quer ir não vá mas diga que está com uma depressão". O irmão mais velho - do primeiro casamento do pai - telefonou-lhe furioso. Arabella viveu um pesadelo: achava-se de esquerda, queria ser "hippy", não se sentia como o resto da família.
Glastonbury, do qual foi a inspiração, na organização do qual revelou grandes qualidades e cujo sucesso se lhe deve tornou a dar-lhe confiança. E também o trabalho a favor de crianças desfavorecidas - na ONG Children's World, criada por ela - levando a escolas de cantos remotos do mundo pequenos espectáculos que trouxeram alegria a quem dela precisava. No fim da vida achava que não tinha deixado ficar mal o nome de Churchill.