Contraste

Talvez por superstição

O metropolitano é o paraíso dos tímidos

O METROPOLITANO é, por excelência, o meio de transporte das pessoas tímidas. Ninguém pode ser tímido à vontade num táxi porque, forçosamente, tem de trocar umas linhas mínimas de diálogo com o condutor, e isto na melhor das hipóteses porque há condutores com um repertório incansável. Ninguém pode ser tímido num avião porque as rotinas a bordo não permitem. A timidez num elevador pode ser confundida com maluqueira e de helicóptero nunca andei. O metropolitano é o paraíso dos tímidos e não só como meio de transporte, como conceito de vida também. Talvez por superstição, por meter respeito aquela descida às entranhas, assim que pousam o pé no primeiro lance de escadas os passageiros munem-se de uma civilidade que raramente exibem à luz do sol. Dá-se uma alteração de personalidades, todos se acanham quando o som da máquina avança pelo túnel escuro, anunciando, para dali a instantes, a chegada da composição à gare. E perante a intimidação geral, os tímidos imaginam-se praticamente iguais aos outros e, em certas ocasiões, chegam a gozar o sentimento tão raro de se acharem entre a sua gente.

Há uma regra maravilhosa de comportamento quando se anda de metropolitano: o evitar-se todo e qualquer contacto visual. Só por esta coisa tão delicada seria fácil compreender a razão por que os tímidos gostam tanto de andar de metro. Pelo canto do olho, ou por baixo do jornal aberto, ou quando as portas abrem e fecham, aproveitando essa pequena comoção, espreitamo-nos uns aos outros, sem saber muito bem porquê, sem a menor curiosidade. Há quem entre, quem saia e há quem fique, por isso costumo dizer que de estação para estação a viagem é sempre diferente e, sendo diferente, é óbvio que nunca se torna aborrecida. Nos subterrâneos de qualquer cidade reina a paz. Reinava mais, é certo, antes de as operadores de telemóveis disponibilizarem rede para as catacumbas, estragando um bocadinho o ambiente em nome da facturação. Uma pessoa tímida não quererá de maneira alguma saber como é a voz da pessoa sentada a seu lado e, por isso, reza para que a referida pessoa não receba nenhuma chamada durante o percurso. Rezar, de qualquer maneira, também é bom. E é sempre com tristeza que regresso à superfície.

Leonor Pinhão



Por cima sim; por baixo não

O metro lembra-nos que somos todos formiguinhas apressadas

   

O MAL começa logo no nome - metro. É um típico subterfúgio francês. Deveria ser, com clareza britânica, "subterrâneo". É o ideal para os subterráqueos que são obrigados a usá-lo para chegar de cova em cova. É por isso que os subterrâneos são detestáveis: lembram-nos que, por muitos ares que nos demos, somos pouco mais do que formiguinhas apressadas e cumpridoras, sem destino próprio que não seja um nome de estação. Não se pode passear de subterrâneo: aquilo é feito apenas para ir, com toda a crueza das suas duas letrinhas. Não há nada para ver - mas tudo para especar. Não há nada para respirar - mas todos por cheirar. Mesmo assim, o subterrâneo de Lisboa, sendo relativamente novo, limpinho e bem gerido, ainda é dos poucos que se aguentam.

O metro do Porto é que é. Mesmo que se esteja cheio de pressa para levar um grão de açúcar à gulosa da rainha, tem-se sempre a sensação de andar a passear, deslizando elegantemente nas margens do trabalho e do dever. Os passageiros, de tão distraídos e contentes que vão, parecem meio-drogados, como se viessem todos de longas tardes na Fundação de Serralves ou no Corte Inglés de Gaia, cheios de arte luminosa e de chocolates belgas.

Tomando o exemplo dos tripeiros, que não descansaram enquanto não deslizaram no seu tapete mágico, também nós lisboetas deveríamos começar já a exigir para Lisboa um metro do Porto. Leiria poderia ficar com o nosso antigo, caso o quisesse: por exemplo, para permitir deslocações rápidas entre a Batalha e a padaria de Aljubarrota.

A ideia de andar debaixo da terra deveria ter morrido com Júlio Verne. Leva uma eternidade, perturba os mortos e custa uma fortuna em brocas e derrocadas: não se poderia imaginar um meio de transporte mais século passado. Aliás, a única coisa que safa os filmes de ficção científica de hoje em dia são os meios de transporte, todos de grande altura e categoria. O subterrâneo deveria servir apenas para esgotos e transporte de mercadorias, desatafulhando as pobres ruas de camiões e carrinhas. Eu cá, se fosse o Pedro Santana Lopes, enchia-o todo de entulho anti-sísmico e dava-lhe um nome pomposo, tipo "a coluna dorsal de Lisboa". Era capaz de pegar.

Miguel Esteves Cardoso